Carlos retomou depois o caminho da estrada para Richebourg, escondendo-se das colunas inimigas que iam ganhando terreno à medida que o sol se erguia no céu da Flandres. Chegou, pouco tempo depois, a um casebre abandonado e resolveu ficar por ali, antevendo que poderia ser surpreendido pela precipitação. O edifício de apenas uma assoalhada já não possuía telhado e as paredes de pedra granítica ameaçavam cair a qualquer momento. Carlos aproximou-se lentamente de uma janela lateral e por aí procurou antever alguma ameaça. Acabou depois por entrar; passou por um antigo quarto e chegou à cozinha. Escutou então uma voz conhecida, ordenando-lhes que parasse.
– Sou português – esclareceu Carlos.
Do interior da lareira, protegido por uma mesa esburacada, Carlos viu surgir o rosto assustado do tenente Figueiredo.
– Carlos? És tu? – perguntou o tenente, por entre as sombras.
Carlos não lhe dirigiu palavra alguma; levantou a boina e mostrou o rosto em admiração. Indagou depois sobre as circunstâncias daquele reencontro.
– Estamos perdidos! Logo no dia em que íamos embora. É o fim!
– Que rica cubata! – respondeu o sargento.
O tenente empurrou a mesa, saiu da lareira e lançou-lhe um abraço de esperança. Carlos ficou de braços abertos à espera que aquilo terminasse. Foram depois sentar-se, cada um no seu canto, e o tenente aproveitou para tagarelar os seus infortúnios. Porém, Carlos deixou de o escutar. Paulatinamente, floresceu nele a sombra da vingança. Reavivou na memória algumas deceções e outras tantas tormentas, acabando por culpabilizá-lo por uma boa parte das suas desventuras recentes. Num silêncio constrangido, apontou a Mauser-Vergueiro ao tenente e deixou que o destino fizesse pontaria. Num primeiro momento, Figueiredo reprimiu-lhe a afronta num grito sustido pelo medo. Ato contínuo, pediu-lhe desculpa por qualquer inconveniente causado. Por fim, ficou terrificado ao perceber a aparente motivação assassina de Carlos, que permanecia em silêncio.
– Até os vagabundos têm direito às últimas palavras. Quais são as tuas? – perguntou-lhe Carlos, perdido entre dúvidas.
– Eu não… sei. Não faças isso, por favor! Tenho mulher e filhos para criar – clamava o tenente, já com a cara lavada em lágrimas.