Sombras de Silêncio #109

No momento em que Carlos pousava a espingarda o casebre foi bombardeado e uma boa parte das paredes restantes acabaram por desmoronar. Por sorte, o ataque não foi infligido na cozinha e os dois sobreviveram. O tenente, graças à posição mais recatada, levantou-se da poeira com algumas escoriações ligeiras e com um zumbido infernal nos ouvidos; demorou algum tempo para perceber que o ataque da artilharia alemã poderia abrir-lhe uma janela de fuga, mas optou por ficar. Carlos ficara em pior estado, já que foi diretamente atingido por fragmentos de pedra. Esteve inconsciente durante algum tempo e só despertou ao notar a presença do tenente, que se debruçara sobre ele para o estrangular. Com as poucas forças que lhe restavam, Carlos conseguiu empurrá-lo, estatelando-o no chão sobre um ancinho e provocando-lhe um golpe profundo no braço direito. Apesar das dores, levantaram-se e cambalearam o olhar numa raiva assassina. Uma rajada de metralhadora rompeu então pelas ruínas do edifício, fazendo-os tombar pelo susto e pelo instinto. Carlos ergueu-se a muito custo e apanhou a espingarda. Foi depois colocar-se à esquina de uma parede destroçada, espreitando a disposição do inimigo. Recebeu uma uma rajada tangente à vida. Mal se sustinha de pé.

Enquanto o tenente Figueiredo tentava esquivar-se pelas traseiras, Carlos vacilou na atenção dedicada àqueles que o queriam matar. Os alemães estavam a cerca de dez metros. Logo que o sargento ameaçava apontar a espingarda, a parede era cravada de tiros. Percorrendo as ruínas, o tenente tentou escapar-se de soslaio. Porém, Carlos notou-o e apontou-lhe a Mauser-Vergueiro.

– Vai-te embora, miserável! – gritou-lhe Carlos, após alguns momentos de indecisão.

Enquanto o tenente fugia pelas traseiras, o sargento olhava em redor à procura de uma posição alternativa que lhe oferecesse mais garantias. A cozinha era um espaço confinado de caos. O alarido que se levantou entre os alemães, ao verem o tenente Figueiredo escapulir-se, foi depreendido pelo sargento, que aproveitou uma brecha para atirar com êxito sobre um inimigo que perseguia o tenente.

O atrevimento enraiveceu os colegas, que lançaram um ataque à bomba sobre o lusitano. Os estilhaços da explosão atingiram-no e Carlos caiu sobre o destino. Tentou levantar-se, mas as pernas não responderam. Fincou as mãos e conseguiu reerguer o tronco; reparou então que o joelho direito estava desfeito, enquanto o tornozelo da outra perna sofrera uma rotação de dor. Num sofrimento tangível, conseguiu arrastar-se até um quarto anexo. Escutou o som da aproximação dos soldados inimigos, como se fosse o tinir abafado de um relógio de bolso, contabilizando os seus últimos momentos.

Sombras de Silêncio #109

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