Sombras de Silêncio #107

Os alemães avançaram pela noite ao arrepio do medo. A divisão portuguesa tentou defender espartanamente a posição à custa de muitas vidas. Porém, em poucas horas, as linhas de defesa foram quebradas com o avanço dos tanques e da restante artilharia alemã. Os soldados portugueses que escaparam ao primeiro ataque foram mandados recuar para uma segunda linha defensiva, procurando usar as casas abandonadas como fortificações rudimentares. Carlos demorou ainda algum tempo para tomar consciência da experiência onírica e só depois se apercebeu que a divisão portuguesa estava prestes a ser aniquilada. Todavia, conseguiu fugir aos tentáculos da morte, evitando as incursões inimigas pelos flancos que pretendiam cercar os portugueses no inferno.

Ao amanhecer, Carlos abrigou-se num antigo viteleiro que ficava na berma de uma estrada para Richebourg. O edifício, ainda que parcialmente destruído, sustinha um sótão semiaberto que servira para guardar palha. O sargento subiu e por lá se manteve alerta, com a vida semicerrada pelo instinto. Pouco tempo depois chegou um outro soldado, que ele reconheceu como português pela farda.

– Aqui em cima, rápido! – disse-lhe Carlos.

O soldado ficou agradecido por ouvir a língua de Camões e galgou as escadas de madeira numa pressa fugidia. Deitou-se depois com o ventre sobre a palha, ao lado do sargento.

– Eu sou Aníbal Milhais e…

– Eu não quero saber o teu nome, nem donde vens. Está atento à entrada e faz pouco barulho – interrompeu o sargento.

O soldado assentou então a sua metralhadora Luísa no ombro e apenas acrescentou que um grupo de alemães vinha naquela direção. Não demorou muito até que meia dúzia de soldados ali chegassem e se pusessem a espreitar para o interior do edifício. Carlos atirou e matou um deles. Os outros esconderam-se por detrás da fachada e responderam também com tiros. Carlos notou então a intenção dos alemães em pedir auxílio; ordenou ao soldado que lhe passasse a metralhadora e que aguentasse a posição com a sua espingarda. Saltou depois pelas traseiras, contornou o edifício e surpreendeu-os, tirando a vida a todos.

– Manda-me a espingarda e guarda-te p’raí, Milhões, ou vai morrer onde te apetecer. Os alemães vêm aí – disse-lhe o sargento.

Sombras de Silêncio #107

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