Sombras de Silêncio #103

Miguel e Joana combinaram que passariam a rezar todos os dias a Nossa Senhora de Fátima pelo regresso de Carlos. Ficaram depois abraçados sobre a cama, sonhando com o anúncio do fim da guerra e dormitando levemente sobre o reencontro. Quando acordou, Joana levou o filho à bilheteira da estação. Entre avanços e correções, ditaram a António as novidades e os desejos. Joana aproveitou ainda para questionar o marido sobre o referido encontro com Cristo. António mal acreditava no que estava a escrever e chegou mesmo a adivinhar a vinda do salvador. Porém, ficou com mais perguntas do que certezas. No regresso, Joana foi ao quartel entregar a carta para ser enviada.

O calor desapareceu, as folhas começaram a tombar das árvores e a mudança de ano fez-se anunciar com um nevão histórico. Quando janeiro cumpriu os seus dias, eles não tinham ainda recebido outra comunicação de Carlos e a preocupação adensava-se. Passou-se o dia do décimo aniversário de Miguel e chegou o tempo das sementeiras.

Num dos primeiros dias de abril, Joana viu chegar outro militar a cavalo através da janela da cozinha, onde estava a preparar um almoço de favas. Saiu apressada ao seu encontro, tremelicando com as incertezas. Miguel manteve-se junto à porta com o olhar semicerrado pela saudade.

– Traz novidades do meu marido? – questionou Joana, nervosa.

– A guerra continua e o seu marido ainda anda por lá! Tome lá uma carta dele – disse o militar, para alívio da mãe e do filho.

– Graças a Deus! – clamou Joana, ao pegar na correspondência.

– Você sabe ler? – perguntou o militar, quando Joana já seguia para casa a lacrimejar expetativas.

O cavaleiro reconheceu depois Miguel, lembrou-se da história da instrução e esboçou um sorriso trocista.

– Sei ler sim senhora! Vá lá à sua vida e obrigado pelo serviço – precipitou-se Joana, ao entrar na casa.

Espreitando desconfianças pela janela da cozinha, mal viu o militar desaparecer, Joana retirou as favas da panela e desceu a ladeira até ao apeadeiro. Miguel chegou lá num pulo de alegria. Quando a viu com uma carta na mão, António depreendeu ao que vinham e acenou-lhes, mandando-os entrar de seguida para o posto. O homem rasgou depois o sobrescrito, tirou o papel amarrotado e desatou as linhas da saudade.

Sombras de Silêncio #103

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