– E logo apareceu a pastorinhos! – admirou-se Joana.
– Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, nem sempre quem mais se julga tem o louvor de Deus. Há muitos que de dia são pelo sol, mas à noite dizem-se da lua. Mesmo os da Igreja, que Deus me perdoe. Não o padre Basílio, que por esse ponho as minhas mãos no fogo. Temos de ser discretos e temer a Deus; foi Ele quem nos criou e será Ele quem nos há de levar um dia. Quem melhor do que as crianças? Elas não mentem e o seu coração é puro!
Joana agradeceu a António e correu depois em direção a casa para contar a boa-nova ao filho. Quando lá chegou, encontrou-o da mesma forma que o deixou, dormindo profundamente, com os cabelos negros sobre a almofada. Acordou-o com um beijo doce sobre a testa e contou-lhe que estava tudo bem com o pai, mostrando-lhe a carta. Miguel insistiu em vê-la, mas desanimou ao perceber que, apesar de conhecer as letras, tinha algumas dificuldades em juntá-las num entendimento profícuo.
A mãe contou-lhe depois que Jesus Cristo enviara Nossa Senhora a uma terra ali perto para interceder pelo fim da guerra, mas que para isso precisavam de rezar muito. Disse-lhe ainda que deveriam começar a rezar em conjunto. Miguel revelou então que conhecera Cristo na viagem que fizera com o pai e que Lhe dissera, com muito respeito, para atender aos pedidos dela. Joana ficou incrédula, desconhecendo as circunstâncias e o juízo da afirmação. Procurou depois discernir pormenores da história, mas apenas encontrou um amontoado de incertezas que somente poderiam ser desfeitas pelo marido.
Joana aprofundou depois alguns pormenores sobre a aparição de Nossa Senhora, acrescentando outros que lhe pareceram coerentes e revelou-lhe a importância de rezar diariamente pelo pai. A Senhora, «mais branca que a neve, posta no cimo de uma azinheira, envolta por um nevoeiro mágico», teve um impacto avassalador sobre Miguel. A sua imaginação recriou de imediato um cenário celestial, que o iria acompanhar pelo resto da sua vida, como se o tivesse realmente vivido.