A cerimónia não se alongou por muito tempo e antes que todas as lágrimas se esgotassem Asdrúbal regressou a casa, convidando Girolme para o acompanhar. Apesar da dor, todos eles haveriam de reconhecer que a chegada daquele homem os aliviara de uma incerteza excruciante. Etelvina, assim se chamava a mãe de Joca, desculpou-se com a arrumação do quarto de Manel para ir depurar a tristeza entre a solidão da memória. Os três homens sentaram-se então à mesa da cozinha e durante mais de uma hora Girolme lá foi contando como veio a conhecer Alberto e como chegara ali, enquanto o pai e o filho entornavam a melancolia em copos de vinho.
Na cozinha havia um cheiro áspero a fuligem, que provinha da enorme lareira que ficava num dos cantos, entre a mesa e a pia. Por cima resistia um armário já antigo e com as portas redesenhadas pelos trajetos das traças. A mobília tinha sido adquirida há pouco tempo, como pagamento de três meses de serviços de Manel na carpintaria da aldeia. Porém, como o trabalho tinha sido desajeitado, também a mobília sofria de algumas falhas. Como a casa não tinha canalização, o pátio das galinhas servia de esgoto. Havia já algum tempo que não adormeciam com fome, mas a variabilidade alimentar era efémera. As sopas, as batatas, os feijões, os grãos e os chícharos, complementados por trêpulos, pimentos e por uma sardinha para os três, faziam parte da ementa diária.
Os homens ouviam-no com atenção e ainda que o discurso de Girolme fosse polvilhado por muitas inconsistências, era tido como da mais elementar eloquência. Isso mesmo foi notado pelo orador, que mais tarde pensaria na qualidade daquela gente, que nunca o olhou com um ar de superioridade ou de troça. Por respeito e conhecendo o terrível destino a que havia sido votado, Asdrúbal decidiu então que deveriam ir ao hospital de Viseu visitar Alberto. Todavia, havia um problema; era impensável alugar um carro de praça e a viagem a pé ainda demoraria cerca de um dia, entre a ida e a volta, complicando a semana de trabalho nas terras.