Durante o caminho até ao jardim, Pedro contou-lhe que conhecera aquela mulher viúva numa das suas primeiras peregrinações, havia mais de dez anos. Tinha-se desviado do caminho para ir à fonte e encontrou-a a trabalhar no campo. Depois de uma conversa casual, acabaram por ficar enfeitiçados pelo desejo e não conseguiram resistir. Por brincadeira, combinaram encontrar-se no mesmo sítio e à mesma hora no ano seguinte. Passou-se o tempo definido e nenhum julgava que o outro iria cumprir a promessa. Mas cumpriram e a cadência manteve-se pelos anos seguintes. Pedro adiantou ainda que a situação era muito grave e envergonhava-se pelo comportamento leviano. Girolme ia acenando com a cabeça em compreensão, mas não se atrevia a julgá-lo pelos pecados. Pedro insistiu depois que aquele tinha sido o último encontro, ainda que não o prometesse. Girolme acabou por dizer que, com tanta vontade e penitência, por certo Nossa Senhora lhe perdoaria os pecados.
Apesar do entendimento casual, Girolme não o procuraria mais para desfazer as suas dúvidas existenciais, agradecendo-lhe a ajuda prestada. Inclusive, e ainda que não o tivesse revelado, Girolme contava pedir por ele a Nossa Senhora, salientando que ele o salvara de um destino miserável.
Cumprindo o que prometera, Girolme nada contou sobre o pequeno incidente. O grupo seguiu em peregrinação sem que outras suspeitas se juntassem e na manhã do dia seguinte chegaram por fim à Cova da Iria. Foram ajoelhar-se defronte da Capelinha das Aparições e cada um rezou a sua vida. Parecia que toda a fé do país confluía para aquele local. Os peregrinos continuavam a chegar, com os rostos iluminados pela dor. Depois de cumprirem a promessa junto à capelinha, a maioria procurava depois uma sombra para descansar e dormir um pouco. Outros, e apesar das feridas nos pés, insistiam em continuar a viagem de redescoberta em torno do santuário.
Cirandando pela fé, as pessoas cumprimentavam-se e trocavam impressões sobre as peregrinações. Alguns pareciam colecionar promessas de bom grado e tinham sempre uma opinião sobre os melhores trajetos. A revolução era também um tema recorrente das conversas. A maioria mostrava-se agradecida pelo sucesso; muitos apregoavam que há muito tempo tinham pedido a Nossa Senhora a destituição daquele governo e alguns consideravam mesmo que se não fosse pelas muitas promessas que tinham feito não teria havido uma revolução em Portugal; outros, em silêncios inquietos, pediam uma nova revolução que apagasse a de abril. Se cada pessoa revelasse a sua promessa ao mesmo tempo criar-se-ia uma divina sinfonia de discórdias.