Girolme desconhecia até que ponto aquele incidente poderia prejudicá-lo, quer aos olhos dos céus quer na opinião dos homens. Ignorava também o que lhe poderia ter acontecido, ainda que o homem-profeta lho tivesse explicado depois num tom catastrófico e metafórico. Girolme acabaria por concluir que reencontrar a sua princesa poderia ter sido o prelúdio de uma eternidade sonolenta e irremediavelmente perdida.
Bastaram poucos minutos para que o grupo percebesse que Girolme não tinha qualquer experiência em vícios da droga, ainda que tivesse experienciado diferentes abandonos. Apesar de não serem totalmente percetíveis as suas ligações ao fascismo, tinha sido deposto e desalojado pela revolução. Todavia, albergava no seu coração uma vontade inexorável de agradar a Deus e a Nossa Senhora.
O homem que tinha desencadeado o discurso para a libertação de Girolme chamava-se Pedro Santos e tinha uma mercearia no coração de Campolide. Todos os anos, naquele dia, deixava o negócio entregue aos familiares e iniciava a caminhada para Fátima. Era um sujeito de estatura baixa, cabelos ligeiramente encaracolados e rosto tenaz. Com ele seguiam alguns amigos, que repetiam o ritual. Carlos era advogado numa firma de construção civil; Joaquim, empregado numa loja de tintas, era quem carregava a boa-disposição; Marco, de olhos esbugalhados e conversa tímida, tinha sido despedido de uma fábrica de componentes de automóveis e recentemente criara uma empresa de limpeza de condomínios. Quando Girolme descobriu que eles iam para Fátima ficou tão feliz que desacreditou a sorte. Ajoelhou-se e pediu-lhes se os poderia acompanhar na viagem. Todos acharam o momento miraculoso e ficaram muito satisfeitos com a reviravolta, também porque lhes provia o fundo de maneio de boas ações para apresentarem no altar do mundo.
À exceção de Girolme, todos eles ocupavam cargos e possuíam meios que lhes permitiam fazer a viagem sem demais preocupações. Nem mesmo a revolução foi capaz de mudar as suas intenções. A chegar quase aos quarenta, sendo um pouco mais novo que os companheiros, o merceeiro crescera no seio de uma educação católica rígida. Para além da incumbência inerente de assistir a todas as missas, palestras e sermões da abrangência geográfica, o pai obrigava-o recorrentemente a recitar algumas passagens da bíblia.