Sombras de Silêncio #318

Girolme ainda esteve alguns instantes sem saber o que fazer até que uma tristeza o agarrou de súbito. Lembrou-se de quem desejou ser e comparou depois com aquela que era a súmula de incontáveis dias de sonhos desfeitos. Esperançoso, acabou por devolver o braço esquerdo ao homem colorido. Nesse momento juntou-se um grupo de pessoas no cimo das escadas.

– Ó pobre miséria franciscana, mas aonde é que nós já chegámos? Nossa Senhora tende piedade deles! Ó meu Deus, não seria melhor relembrar de Sodoma e Gomorra? Ó perdição dos infernos, deixa estes homens em paz; deixa-os viver as suas vidas sem drogas. Ó meu senhor, não faça isso! Pense na sua vida e nos seus familiares; apenas está a meter veneno para o corpo! Peça perdão a Deus, que Ele é compreensivo – disse um dos homens num tom grave.

O discurso profético do homem, colocado ao cimo da escadaria num fundo azul credível, fez com que Girolme recuasse novamente nas suas intenções. Levantou-se inclusive de pronto e admitiu a culpa com uma veemência subserviente.

Ei men, ainda não são dez horas e hoje não é domingo. Vê lá se te metes na tua vida e deixas que os outros vivam como bem entendem! Ou queres que vá aí?

– Quem tem Deus do seu lado não tem medo de nada – retorquiu o homem.

Girolme sabia muito bem de que lado queria estar e, sem hesitações, começou a subir a escadaria. Ao vê-lo escapulir-se, o homem colorido ainda lhe tentou acertar com um pontapé, mas sem sucesso. Girolme escutou depois o homem religioso a convidá-lo para cumprir todas as promessas da vida e ainda se apressou mais. Temendo que a vontade não fosse suficiente para tirá-lo daquela vida, o homem desceu a escadaria e correu para lhe dar a mão, enquanto as pessoas à sua volta se puseram a aplaudir e a dar graças a Deus.

– Venha daí! Fez o que devia. Nossa Senhora não o vai deixar ficar mal, mas tem de ser devoto do coração.

– Eu sou… eu quero… eu faço… eu vou – multiplicou-se Girolme, não querendo deixar as expetativas em mãos alheias, disposto a vincar a sua devoção profunda a Nossa Senhora.

Sombras de Silêncio #318

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