Girolme deixou por dizer que, embora acreditasse nele, não estava preparado e tão pouco queria escutar a verdade. Preferia não saber e não se preocupar.
– Está tudo então esclarecido. Despachemo-nos para lá. Já viu esta gente toda que há na rua? – perguntou Bernardo, continuando de seguida: – Há muito tempo que não se via uma coisa assim. É hoje Portugal!
– Vamos lá então! – atirou Girolme – Mas olhe… vamos fazer o quê?
– Nós vamos depor o regime do seu… do professor Marcelo Caetano; vamos ganhar a liberdade para Portugal!
– É isso mesmo, meu senhor – imiscuiu-se um homem, à entrada da rotunda do Marquês de Pombal.
Girolme não conhecia o significado da palavra «depor», mas depreendeu que tanto desagrado deveria significar que o queriam mandar embora. Girolme, que não gostava de professores, concluiu que a causa era meritória e merecia ser apoiada. Bernardo referiu-lhe depois a falta de liberdade que grassava na imprensa, mas Girolme não entendeu. Inclusive, considerou que gostaria muito de ter alguém com disponibilidade para lhe corrigir os erros, em particular se soubesse escrever. A conversa acabou por descambar para as prisões e Girolme revelou que também ele esteve durante muito tempo aprisionado.
– Mas como é que pode ser isso? Então você não disse que era amigo do doutor… Salazar? – perguntou Bernardo, sussurrando apenas o nome do antigo presidente, de forma a evitar os ouvidos mais apurados no meio da escuridão.
– Ele nã sabia.
– Bem, isso é que é ironia! – disse Bernardo.
– Isso já nã sei, mas custou-me um bocado.
– Custou a todos, meu amigo. Mas você… comeu o pão que o diabo amassou. Está a ver? Se não fosse este Estado sem liberdade, você nunca teria sido preso. Afinal, foi uma ordem do seu amigo que o deitou para a prisão.
Girolme não atentara às considerações finais de Bernardo, ficando a tentar visualizar o diabo a amassar o pão, rodeado de chamas no meio do inferno, para depois o assar e enviar, às escondidas de Deus, para as pessoas. Ficou por alguns instantes a tentar entender o significado da sentença, demasiado orgulhoso para esclarecer as dúvidas, nem que isso significasse a sua desvirtuação.