Após a despedida, Carlos e Girolme saíram do forte e prosseguiram de carro. Durante a viagem, percebendo que Carlos era uma pessoa que tratava e resolvia todo o tipo de situações, Girolme resolveu furar a vergonha e adiantar-se à sorte. Perguntou-lhe então se poderia ajudá-lo a encontrar Bilinho. Carlos respondeu que era difícil, mas que iria tentar. Ao obter uma resposta positiva, Girolme não se conteve e pediu-lhe ainda que, se tivesse tempo, tentasse encontrar também a sua princesa, Ritinha, referindo todos os pormenores que carinhosamente guardava na memória e que poderiam ajudar na busca. Carlos, de rosto fechado e vontade condicionada, anuiu.
O prédio ficava na rua Ana de Castro Osório, ilustre mangualdense, perto de um pequeno parque. Ao chegarem, encontraram a antiga porteira do prédio sentada na escadaria, que chorava o recente despedimento. Era uma imigrante cabo-verdiana, já de meia-idade, que morava na Buraca com os seus quatro filhos. De lenço verde na cabeça e vestido colorido, tentava perceber como é que iria alimentar os filhos a partir daquele dia. Quando os viu a subir a escadaria, agarrou-se à perna de Carlos e pediu-lhe encarecidamente para que a ajudasse. Carlos sacudiu-a e mandou-a voltar para a terra de onde ela tinha vindo. Girolme ficou um pouco assustado pelo tratamento inesperado. A mulher virou-se depois para Girolme e disse:
– Deus não dorme; você vai pagar por isto!
Carlos precipitou-se então sobre a mulher e empurrou-a da escadaria. Ela susteve a vontade por alguns instantes, mas acabou por se resignar a um futuro incerto e foi embora. Girolme ficou muito transtornado com o que ouvira, principalmente por não compreender a origem de tamanha tristeza, desfaçatez e ameaça.
– Não se preocupe com ela. Aquela gentinha não percebe… enfim. Os portugueses foram lá para ajudar, século após século. E agora, qual foi a paga? Puseram-se às catanadas e aos tiros a quem sempre lhes deu de comer! Outros vêm para aqui e não sabem ocupar o seu lugar.
Girolme tentou perceber a justificação, mas ficou-se pela intenção, vendo-a afastar-se na sua ira. Entraram depois no apartamento e Carlos começou por lhe mostrar a arrecadação, onde estavam os baldes e as vassouras. Esclareceu depois que Girolme deveria varrer todos os dias as escadas dos sete pisos, sendo que três vezes por semana deveria também passar um pano molhado no chão.