Sombras de Silêncio #286

Após a despedida, Carlos e Girolme saíram do forte e prosseguiram de carro. Durante a viagem, percebendo que Carlos era uma pessoa que tratava e resolvia todo o tipo de situações, Girolme resolveu furar a vergonha e adiantar-se à sorte. Perguntou-lhe então se poderia ajudá-lo a encontrar Bilinho. Carlos respondeu que era difícil, mas que iria tentar. Ao obter uma resposta positiva, Girolme não se conteve e pediu-lhe ainda que, se tivesse tempo, tentasse encontrar também a sua princesa, Ritinha, referindo todos os pormenores que carinhosamente guardava na memória e que poderiam ajudar na busca. Carlos, de rosto fechado e vontade condicionada, anuiu.

O prédio ficava na rua Ana de Castro Osório, ilustre mangualdense, perto de um pequeno parque. Ao chegarem, encontraram a antiga porteira do prédio sentada na escadaria, que chorava o recente despedimento. Era uma imigrante cabo-verdiana, já de meia-idade, que morava na Buraca com os seus quatro filhos. De lenço verde na cabeça e vestido colorido, tentava perceber como é que iria alimentar os filhos a partir daquele dia. Quando os viu a subir a escadaria, agarrou-se à perna de Carlos e pediu-lhe encarecidamente para que a ajudasse. Carlos sacudiu-a e mandou-a voltar para a terra de onde ela tinha vindo. Girolme ficou um pouco assustado pelo tratamento inesperado. A mulher virou-se depois para Girolme e disse:

– Deus não dorme; você vai pagar por isto!

Carlos precipitou-se então sobre a mulher e empurrou-a da escadaria. Ela susteve a vontade por alguns instantes, mas acabou por se resignar a um futuro incerto e foi embora. Girolme ficou muito transtornado com o que ouvira, principalmente por não compreender a origem de tamanha tristeza, desfaçatez e ameaça.

– Não se preocupe com ela. Aquela gentinha não percebe… enfim. Os portugueses foram lá para ajudar, século após século. E agora, qual foi a paga? Puseram-se às catanadas e aos tiros a quem sempre lhes deu de comer! Outros vêm para aqui e não sabem ocupar o seu lugar.

Girolme tentou perceber a justificação, mas ficou-se pela intenção, vendo-a afastar-se na sua ira. Entraram depois no apartamento e Carlos começou por lhe mostrar a arrecadação, onde estavam os baldes e as vassouras. Esclareceu depois que Girolme deveria varrer todos os dias as escadas dos sete pisos, sendo que três vezes por semana deveria também passar um pano molhado no chão.

Sombras de Silêncio #286

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