Miguel inquietou-se sobre o facto de a sua fotografia continuar espalhada por vários sítios. Concluiu que ele deveria ser uma pessoa importante, mas não o suficiente para o livrar dos sarilhos que o perseguiam. Pensou depois sobre como teria sido possível que, tendo ele fugido de carro, as pessoas dali já soubessem do sucedido e inquietou-se sobre como poderiam ser tão lestas as notícias.
Entrou então na sala um sujeito altíssimo, de fato, nariz comprido e orelhas salientes, que se foi sentar do outro lado da mesa. O homem chegou-se à frente, pousou uma folha branca sobre a mesa e entrelaçou as mãos.
– Muito bem, diga-me como se chama?
– Miguel… Fernandes – respondeu ele, abdicando do posto que a pastorícia lhe conferia por considerar que a situação não era propícia a orgulhos exacerbados.
– A sua identificação?
– Perdia.
– Perdeu-a? É muito inconveniente. Deve tratar disso de imediato. Diga-me, senhor Miguel, qual é a sua história? – replicou o homem, começando a rabiscar a folha.
Miguel deixou-se ficar calado; já vivera tanto que não sabia por onde começar, mas depreendeu que seria melhor cooperar. Começou então a dizer que nascera em Lisboa e contou tudo o que se lembrava da família, alternando vivências e alongando-se no episódio de Estela. Nisto, o homem mandou um murro na mesa e disse num tom estridente:
– Você acha que eu sou parvo?! Lá eu quero saber da sua ovelha e do que fazia com ela. Quando e como é que conheceu o senhor Dinis?
– Quem? – perguntou Miguel.
– Oh, valha-me Deus! Diga-me quando e como conheceu o homem com quem estava na estalagem.
– Eu apenas o conheci há dois dias atrás em… já nã me lembra do nome da terra. Ele deu-me boleia pr’aqui. Foi assim, juro por Nossa Senhora – garantiu Miguel.
– E onde ficava essa terra?
– Ao pé do mar.
– Por acaso, não seria Peniche? – perguntou o homem.
Miguel confirmou com um sorriso nervoso.
– E como é que o conheceu?
– Eu ‘tava… a andar numa rua e… ao passar por uma casa… encontrei-o e ele mandou-me entrar no carro. Por favor, acredite, ele nã tem culpa – disse Miguel, juntando religiosamente as palmas das mãos.
– Então não! Ele é um anjinho, o maldito. Você não chegou a entrar na casa?
– Eu nã entrei. Ele apanhou-me cá fora.