Mesmo não percebendo as razões, Miguel anuiu e sorriu levemente, conforme a mãe lhe ensinara a fazer quando se visse confrontado com algo que não compreendesse.
– À minha saída, e até ao meu regresso, tu passarás a ser o homem da casa. Tens de olhar pela tua mãe; não a arrelies e faz sempre o que ela te mandar. Percebes?
Miguel acenou e sorriu, orgulhoso pela confiança demonstrada, apesar da tenra idade e das diversas críticas de aprendizagem e de responsabilidade a que tinha sido sujeito recentemente, inclusive pelo pai.
– Muito bem, eu sabia que podia contar contigo. Para além de olhares pela tua mãe, tenho ainda outro serviço muito importante para ti. Quero que guardes este relógio e nunca o mostres a ninguém – concluiu Carlos, também orgulhoso.
– E à mãe? – perguntou Miguel, encostando de imediato o relógio ao ouvido, encantado pelo som mecânico da passagem do tempo.
– Sim, à mãe podes. Com o relógio quero que guardes uma canção, que eu aprendi quando tinha a tua idade. Esta é uma canção muito especial! Está na nossa família desde sempre. Foi o meu pai quem ma ensinou e já o pai dele tinha feito o mesmo. Mais ninguém a pode conhecer! Um dia, quando fores velhinho, também a ensinarás ao teu filho. Queres conhecê-la?
Miguel estava encantado com a disponibilidade do pai, pela oferta e por ser considerado digno de confiança de uma cantiga antiga que passava de pai para filho. Fez-lhe depois alguma confusão o que o pai dissera sobre ele ensinar a cantiga ao seu filho, já que não fazia ideia de como o haveria de arranjar. Porém, quando o pai repetiu a pergunta, Miguel anuiu com um sorriso orgulhoso e ignorou as dúvidas. Mais tarde perguntaria à mãe de onde é que vinham os filhos e provavelmente até ficaria melhor esclarecido. Carlos começou então a cantarolar as palavras que lera no papel que encontrou no interior do relógio, como se fora um grito de guerra militar.
«Sombras de silêncio e solidão
Em segredo onde dão um mosteiro
No trono da ilha da saudade.»
