Sombras de Silêncio #96

No caminho para casa, Carlos aproveitou para tentar perceber todas as circunstâncias que tinham redundado naquele incidente. Miguel, incomodado por cada pergunta, lá ia respondendo conforme as lembranças deixavam. Nos dias seguintes, Miguel foi sendo confortado pela ternura da mãe e confrontado pela curiosidade do pai, que insistia em mais perguntas sobre a escola. Após uma reunião entre os principais intervenientes no incidente, foi decidido o encerramento precoce da instrução naquele ano e o próprio general fez questão de obrigar o professor a redigir uma carta de pedido de desculpas pelo tratamento a que a criança fora sujeita.

Quando estavam volvidos apenas quinze dias desde o último dia da instrução de Miguel, Carlos recebeu a guia de marcha para a guerra. O sargento sabia que, mais cedo ou mais tarde, em particular depois do episódio com o filho, receberia a notícia, para desgosto da família. Quando ouviu a novidade, Joana não conteve as lágrimas e ficou a enxugá-las no calor da lareira, enquanto se coziam as batatas. Carlos, depois de dar uma palmada nas costas da esposa, assegurando-lhe que tudo ia correr bem, levou o filho para o quarto e decidiu surpreendê-lo com um presente. Retirou o relógio de bolso Cortébert Speciale do esconderijo e mandou o filho sentar-se na cama.

 – Miguel, o pai vai partir para França depois de amanhã…

– Também posso ir? – interrompeu Miguel, recordando com agrado a última viagem.

– Não, desta vez o pai não te pode levar. É para muito longe e eu vou estar ocupado com a guerra – explicou Carlos.

– O que é a guerra? – perguntou Miguel.

– Uma guerra é… bem, é quando se luta por alguma coisa.

– E porque lutam?

– Porque sim!

Não minimizando os esforços de paciência do pai, a mãe conseguia quase sempre explicar-lhe a vida de uma forma mais compreensível.

– Preciso de saber se te posso confiar dois serviços muito importantes – continuou Carlos, num tom oficial e militar.

Miguel ficara a refletir na incerteza do regresso do pai e nem prestou atenção ao pedido. Não gostava da ideia de ver o ver partir, ainda que não percebesse o destino ou a razão.

– Posso confiar em ti? – inquiriu Carlos.

Sombras de Silêncio #96

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