Em meados de março do ano seguinte, quando Afonso Costa cedia o lugar de Primeiro-Ministro a António José de Almeida, a Alemanha declarava guerra a Portugal. Tornou-se então evidente que o país deveria juntar-se aos Aliados, tendo em vista a garantia dos seus territórios, assim como a restituição da região de Quionga, em Moçambique, ocupada entretanto pelos alemães. De todos os lados do país confluíam rapazes para iniciarem a recruta e as tropas estavam mobilizadas. Respondendo a um pedido do governo britânico, foi criado o Corpo Expedicionário Português, sob o comando do general Norton de Matos. Juntaram-se então trinta mil homens, dispersos por vários pelotões, estando um dos quais ao cuidado de Carlos. O sargento questionava-se diariamente como se poderiam enviar rapazes inexperientes para o palco das operações, tomando como certo que quando as balas começassem a zunir muitos deles haveriam de desertar.
Para Miguel, o verão trouxe a possibilidade de passar os dias na companhia da mãe. Ajudava-a na prática de uma agricultura artesanal e deficitária, acrescida pelas dificuldades naturais de quem tinha crescido a vender peixe. No pequeno quintal que envolvia a casa colheram as batatas e os feijões que a terra permitiu. Miguel empenhava-se em cada serviço, infeliz por não o poder fazer na escola, um antro de más recordações e pesadelos. Porém, no início de outubro, Miguel foi novamente remetido à instrução, fechado entre quatro paredes de submissão. Depois de nos primeiros dias ter sofrido as saudades dos colegas, foi inesperadamente liberto das suas traquinices. Quando o Natal chegou, Miguel já decorara o nome de todas as letras e sabia juntar algumas. Começava também a ter algum domínio sobre os números e todos os dias contava mais de cem carneiros para adormecer. Começou então a fantasiar o prolongamento da noite na sua memória, perdido em considerações sobre os motivos que levariam a que o dia lhe custasse muito mais a passar.
No final de janeiro de 1917, a primeira brigada do Corpo Expedicionário Português partiu para a Flandres em três vapores britânicos. Carlos continuava em Tancos a dar instrução militar aos novos recrutas, reinventando-lhes a vontade de lutar pelo país numa guerra longínqua.