Sombras de Silêncio #28

Ainda nessa noite, logo depois do jantar, alguém bateu à porta. Era José Francisco. Cumprimentaram-se muito cordialmente e Carlos pediu a Joana para que fosse descansar para o quarto.

– Já falta pouco tempo para ser pai? – perguntou José.

– Pode ser a qualquer momento – respondeu Carlos.

– Os meus parabéns antecipados. Mas não é isso que me traz cá. Prometi não o implicar em nenhum risco, mas Portugal precisa de si.

– Portugal precisa de mim? Para quê?! – perguntou Carlos, encenando a admiração, enquanto tentava adivinhar o pedido.

– Conforme deve saber, os defensores da liberdade têm tido alguns problemas nos últimos dias. Mas isso não nos demove do nosso objetivo e brevemente o país acordará com um novo Primeiro-Ministro. Os nossos soldados posicionam-se para tomar a residência de João Franco, na rua Alexandre Herculano. Peço-lhe que tome o partido deste movimento – esclareceu José, num tom profético.

Carlos puxou uma cadeira e ofereceu-a a José, sentando-se noutra. Passou os olhos pelos sapatos e tateou os cabelos, assombrado por um destino ignoto.

– De que forma?

– Segundo sei, o senhor é um dos responsáveis pela casa das armas. Apesar de alguns mecenas terem sido muito generosos com a nossa causa, ainda não temos armamento suficiente para lidar com a Guarda Municipal…

– Mas eu não posso trazer armas do quartel! – interrompeu Carlos.

– Os nossos homens irão até lá e juntar-se-ão aos oficiais revoltosos. Apenas preciso de saber que não se irá opor; se quiser, até poderá juntar-se – propôs José.

Carlos não pretendia juntar-se ao movimento de insurreição, mas também não se queria opor. Nem mesmo uma infinidade de tempo lhe permitiria uma decisão irrepreensível.

– E se a mudança for para… pior? – indagou Carlos.

– Pior que não haver liberdade? Pior que não haver democracia? Pior por… oh senhor Carlos, esse senhor já demonstrou que não mede os esforços para pôr Portugal à beira do abismo. E depois? Que resta fazer quando tudo de mal já foi feito? – continuou a perguntar José, parecendo ter vontade e fôlego para muito mais.

– Não sei – respondeu Carlos, de olhar difuso sobre as palmas da mão, delineando o futuro incerto.

– Senhor Carlos, por favor, peço-lhe que facilite na casa das armas. Pense em que país quer que o seu filho nasça e cresça. Em ditadura, onde nunca será verdadeiramente livre, vagueando escondido pelas ruas e pela vida? Ou então prefere que…

Sombras de Silêncio #28

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