Sombras de Silêncio #263

Foi também por esta altura que, como parecia ao povo que o novo nome tinha sílabas a mais, Miguel acabou por ficar Girolme. Não se sabe de quem partiu a ideia, mas tal mudança também estaria relacionado com o facto de o passeio de Miguel parecer um giro policial. Motivos à parte, o nome rapidamente vingou. Na verdade, após a sua saída abrupta e misteriosa da vila, já ninguém o conhecia pelo nome com que lá tinha chegado. O próprio Miguel ficou muito agradado com a mudança e passou a apresentar-se como Miguel Girolme. Porém, em momentos de maior sobriedade não abdicava do qualificativo da pastorícia.

Certo dia, andava Miguel Girolme a limpar o cemitério quando se levantou um alvoroço de gritos, gemidos e palavras de ordem à entrada da vila. Bilinho estava em casa a convalescer de algumas picardias com os Pintassilgos da noite anterior. Tal suscitou a atenção de Girolme, que largou os seus afazeres e seguiu apressado para saber o que se passava. Quando lá chegou, as pessoas começavam a desmobilizar, numa maledicência inflamada de vitupérios. Ao longe, Tirinhos puxava a filha pelos cabelos para casa.

Marco e Sofia tinham-se fartado da teimosia de Tirinhos e decidiram, às escondidas, que haveriam de ficar juntos. Como não havia outra forma de o concretizar, optaram por fugir para Évora, onde alguns familiares de Marco já tinham inclusive falado com um padre para formalizar a união. Porém, Tirinhos desconfiava dessa possibilidade e andava com a atenção redobrada. Quando Sofia lhe disse que ia à vila comprar pevides para a mãe com a roupa domingueira vestida, o pai saiu no seu encalço. Antes de ela entrar no táxi que os levaria à vida desejada, Tirinhos saltou para o meio da estrada e apontou uma pistola ao condutor, ameaçando disparar a qualquer movimento indesejado. Mandou depois a filha afastar-se e desafiou a coragem de Marco para o enfrentar. O pretendente assim fez, caminhando em direção ao indesejado sogro com uma pistola apontada à cabeça. As lágrimas desciam-lhe pela face rubra. Sofia gritava desesperada para que o pai não matasse o único homem que amava. Marco tentou libertar-se de todo o nervosismo e insistiu, num tom calmo e piedoso, que não tinha sido ele o prevaricador das melancias. Referiu ainda que amava Sofia. Foi nesse momento que Tirinhos decidiu não lhe tirar a vida, mas pregou-lhe com a coronha da arma na cabeça. Marco caiu inconsciente no chão. Sofia correu para o amante, mas apenas teve tempo para uma carícia curta e fugaz. O pai agarrou-a pelos cabelos e a puxou para si, levando-a à força para a quinta.

Sombras de Silêncio #263

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