Sombras de Silêncio #198

O guarda Costa deu um empurrão violento em Miguel para dentro da sala e vaticinou, com um sorriso malévolo:

– Bons sonhos no Segredo! Vemo-nos daqui por uns tempos. Vou ter saudades, mas o reencontro vai valer a pena!

Miguel prostrou-se encostado à parede, notando a luz desaparecer ao som de risos encanecidos. Arremeteu os braços sobre as pernas e quis esconder o olhar da escuridão que o envolvera. O medo agigantava-se ao arrepio da esperança. Chorou então por algum tempo, sem conseguir firmar o pensamento. Absorvido pela escuridão, pressentiu depois que não estaria sozinho. Imaginou-se rodeado de pequenas e vis criaturas, sedentas para lhe sugarem a vida. Ao firmar o olhar num temor racional foi capaz de discernir os seus dentes afiados. No auge do horror, cintilou um fio de luz e esperança de que Nossa Senhora haveria de o retirar daquele sítio. Encomendou-se então com toda a dedicação permitida. Ergueu promessas de forma inconsciente, mas devota.

Alternando entre momentos de insanidade e crença, o tempo foi passando lenta e vagarosamente, na sua transcendência efetiva, como se urdisse prazer pelas infelicidades alheias. O marasmo acomodou-se depois na sua consciência e aos poucos foi equilibrando o medo. Recordava os passos que ali o haviam conduzido e cada lembrança de Ritinha agudizava-lhe a tristeza pela incapacidade de enviesar o destino à sua vontade. Entretanto, as lágrimas esgotaram-se. Ficariam apenas as feridas e as mágoas.

Sem que Miguel percebesse, os últimos raios de sol despediram-se da costa atlântica e do velho forte transformado em prisão. Em cada uma das torres, os vigias preparavam-se para mais uma noite de controlo das calçadas e dos caminhos que ligavam os edifícios. Cerca de uma hora depois, a portinhola abriu-se e Miguel sobressaltou-se. Um guarda trouxe-lhe um prato com meia dúzia de batatas frias e uma cabeça de chicharro que tinha sobrado a alguém. A portinhola fechou-se logo depois, levando o raio de luz e deixando um cheiro à liberdade perdida. Foi apenas a meio da noite que a fome se sobrepôs na miríade de sentimentos que o afligiam, enganando o sentido do medo. Adormeceu pouco tempo depois, enrodilhado no frio.

Sombras de Silêncio #198

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