– Os camaradas que andam pelo país a lutar contra estas injustiças têm sido perseguidos e ameaçados. Querem-nos calar! Quem manda, apenas se importa com o seu bem-estar. Mas a mim ninguém me cala! Nem aos meus camaradas que, em nome do Partido Comunista e das ideias marxistas, tendo em vista uma divisão justa e social da riqueza, lutamos pelos direitos dos trabalhadores. E vocês, vão ficar calados?
A resposta da multidão ecoou pelo armazém, exigindo a resolução das dívidas. Miguel estava encantado com a capacidade retórica do orador. Parecia até que bastaria uma palavra sua e todos fariam o que ele pedisse, por mais descabido que fosse. Ritinha também estava fascinada com o homem desconhecido, curiosa por saber se ele já teria definido a sua política sentimental.
– É por isso que o doutor Abrantes Fonseca não pôde estar aqui presente. Foi levado ontem à noite, ainda de madrugada, para prestar esclarecimentos. Esclarecimentos?! Por ajudar os pobres e os que trabalham?! Mas não tenham medo, que eles podem prender alguns, mas haverá sempre um comunista disposto a fazer o que é o justo, nem que seja com um pano na cara e um nome falso. Podem tirar-me tudo menos a vontade de lutar pelos direitos dos trabalhadores. Pelos vossos direitos! Amanhã tenho uma reunião agendada com o vosso patrão e haveremos de vencer. Eu sou o Lenine da Silva e prometo-vos, aqui e agora, que nenhum capitalista nos há de levar a melhor. Juntos haveremos de vencer! Pela mudança em Portugal! Por um país livre e justo! É tempo de agir! Viva o Partido Comunista Português! PCP! PCP! PCP!
A multidão repetiu a sigla até à exaustão, erguendo os dois dedos da mão direita, anunciando a vitória desejada para a sua luta, conforme o orador havia representado. Desde o palanque, entre todas as pessoas que estavam no armazém, numa amálgama uniforme de desagrado liberto com palavras de raiva e gritos de revolta, havia uma, mesmo à sua frente, que sobressaía de forma natural. Trazia um vestido bege, esculpido por flores várias. Enquanto as palmas e as palavras faziam ricochete nas paredes do armazém e transpareciam para o exterior, os dois entrelaçaram o olhar num momento longo, adocicado pelo mistério da máscara. Lenine saiu depois do armazém e Ritinha seguiu-o com o olhar até ele desaparecer numa fantasia.