Sombras de Silêncio #180

Após alguns momentos em que os trabalhadores trocaram expetativas e os artistas terminaram de distribuir os panfletos, a multidão começou a sair do armazém e seguiu ao longo da ria, numa fila de burburinhos comedidos. Ao passarem sobre a ponte, Ritinha deixou-se ficar para trás e Miguel fez-lhe companhia. Saraiva prosseguiu com passos curtos, vendo a multidão dividir-se entre as margens. Foi então que um rapaz se aproximou de Ritinha. Estava vestido como se fosse um marnoto e usava um chapéu de abas largas. Perguntou-lhe, num tom baixo e cordial, qual era o seu nome. Ela voltou-se e ficou admirada pela intromissão. Mirou-o demoradamente em silêncio e percebeu então que aquele era o orador secreto. Respondeu depois com um sorriso ao rodar o vestido. Miguel estava mesmo ao lado dela, num sossego de insatisfação pela imiscuição alheia.

– Eu sou o Tiago… Silva. Este é o teu…

– É um amigo e trabalha p’ró meu pai, naquele circo que vês além. Tu és o Leni…?

– Chiuuu! Não digas nada! – interrompeu ele, acabando por atrair a atenção de alguns homens que cruzavam a ponte.

Criou-se depois um pequeno burburinho que suscitou o alerta de um grupo de soldados da Guarda Nacional Republicana que andavam precisamente à procura do orador misterioso. Os guardas puseram-se então a apitar e ordenaram que ninguém se mexesse, descendo a rua a correr. Enquanto a maioria se manteve imóvel, Tiago Silva e outros fugiram ao sabor do medo. Saraiva também correu ao encontro da filha e de Miguel, que permaneceram no lugar onde estavam, em posições opostas da satisfação. Ao ver os guardas a encaminharem-se para a ponte, Saraiva agarrou no braço da filha e puxou-a para si, começando a caminhar. Contudo, pararam à segunda ordem gritada pelos quatro guardas. Miguel manteve-se onde estava, sem saber o que fazer, num receio crescente.

Ao chegarem à ponte, os guardas inspecionaram as caras e os nomes em busca do meliante. As perguntas incidiram em particular sobre Ritinha, que estava apavorada pelo momento inquisitório, sendo defendida por Saraiva, que procurava explicar a situação. Miguel foi-se aproximando deles, perfeitamente extasiado de raiva pelo sofrimento que a sua princesa estava a ser sujeita, mas não ousava dizer ou fazer algo.

– Chulos! – gritou um rapaz.

Sombras de Silêncio #180

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