Ritinha olhou-o com desconfiança. Pensou depois que o nome atribuído pelo pai era muito apropriado e insistiu:
– Mas tu não eras professor na universidade?
– Claro que não! – exclamou Miguel, benzendo-se. – Eu fazia limpezas. Lá queria eu ser professor!
– Por quê? É melhor andar por aí aos cambados, sem poiso certo? É uma vida estúpida! Como é que é possível alguém achar que isto é melhor que ser doutor e ter uma casa – disse ela, abandonando a timidez e arriscando alguma irritação.
Miguel ficou sem saber o que dizer, vergado por uma vontade férrea de agradar, mas desesperado por não o conseguir. Voltou a sorrir e deixou-se ficar à espera que alguma meiguice fortuita se sobrepusesse ao mal-entendido. Todavia, ela voltou-se para o palco e parecia disposta a terminar a conversa por ali.
– Eu gosto disto e nã me importo de ficar contigo p’ra sempre – disse-lhe Miguel, abrindo o coração e entregando tudo o que tinha, esquecendo qualquer réstia de timidez.
– Eu pensava que também gostava de ti, mas afinal tu és apenas um rapaz…
– Estupidus!
Num ápice, Miguel foi roubado de toda a alegria e felicidade com que a vida o foi enganando. Parecia que lhe tinham arrancado o coração com as garras do inferno. Se soubesse que ela iria dizer tamanha barbaridade, teria preferido colocar as mãos sobre as orelhas e viver equivocado. Porém, as palavras tormentosas já estavam gravadas na sua consciência. Desviou o olhar e arreganhou os lábios, perdido de toda a razão e sem saber o que dizer. Abdicara de muito pela oportunidade de a conquistar e tudo parecia esfumar-se numa neblina de impotência.
– Este rapaz, Estupidus, é um bocado envergonhado, mas há de aparecer…
– E nã… vais gostar mais? – perguntou Miguel, já com os olhos lacrimantes e os pensamentos em soluços.
– Estupidus!
– Anda lá, não ouves o meu pai a chamar-te! – respondeu ela, exaltada.
Como a resposta não o satisfez, Miguel deixou-se ficar sem reação, rogando apenas a Nossa Senhora que lhe acudisse, pois nunca se vira numa agonia tão grande por causa do amor, que ele julgava ser fonte da vida e a inspiração dos dias.
– Vai lá, senão ele vem cá buscar-te pelas orelhas! – insistiu ela.
– Só vou se gostares de mim – respondeu Miguel, resoluto.
– Pode ser que… um dia… goste, mas agora vai, seu parvo – respondeu Ritinha, tropeçando em indefinições.