– Meu querido, amanhã falamos nisso. Faremos como te disse. Eu vou falar com os meus pais e isto vai-se compor. Assim não. E p’ra onde haveríamos de ir?
– P’ra qualquer lado. Eu vou-me embora, vem ou fica? – replicou ele, cintilando lágrimas na escuridão.
Joana estremeceu com a aspereza das palavras e soergueu-se em rispidez.
– Deixa-te de maluqueiras! Nós não podemos sair assim. Sabe Deus o que se esconde na noite. Volta para a cama! Eu sou a tua mãe e sei o que é melhor p’ra ti.
Miguel fitou-a por alguns instantes e aproximou-se dela, depositando-lhe um beijo sentido na testa.
– Tem razão, gosto muito de si. Será sempre a minha mãezinha… vou só até ao terraço arrefecer as ideias – disse ele, recuando e encostando-se à parede calcinada.
Miguel destrancou a porta, ficou especado por um breve momento e saiu, deixando um silêncio abafado. Joana quis travá-lo e dizer-lhe que também gostava muito dele, mas deixou-o ir espairecer as ideias. Oferecer-lhe-ia depois o regaço e todo o carinho que lhe tinha em dívida, esperando que ele lhe pudesse emprestar o perdão do pai.
Joana também não voltaria a dormir naquela noite. Deixou-se ficar na cama por largos minutos, tentando dar descanso ao sentimento de culpa que lhe corroía o peito amargurado. Meia hora depois desconfiou das razões que mantinham o filho sujeito ao frio primaveril. Decidiu então sair da cama, acossada por um mau pressentimento. Porém, não encontrou o filho no terraço. Procurou-o depois na cozinha, mas também não o viu. Desceu a escadaria em vão e procurou-o nos currais dos animais, na latrina e na adega. Subiu novamente ao terraço e pôs-se a gritar o seu nome à noite escura e fria, não obtendo qualquer resposta.
Cada segundo que passava incrementava-lhe a certeza de que ele tinha fugido, tal como tinha prometido. Joana nunca pensou que o filho, agrilhoado a uma série de insuficiências, pudesse ter a coragem para se fazer à estrada numa noite incerta e abandonar o desconforto que Arnaldo lhe permitia. Os gritos acabaram por acordar Arnaldo, Cina e Simão, que acorreram ao terraço. Arnaldo voltou para a cama logo depois, garantindo que não estava disposto a perder o resto da noite por mais uma maluquice do sobrinho. Cina ficou a confortá-la, enquanto Simão se prontificou para o procurar na quinta e na aldeia.