Miguel, que já estava reticente, pressentiu que só pela sua vontade poderia sair dali. Sem a encarar, reforçou que partiria durante a noite, sozinho ou acompanhado. Nunca julgou ser capaz de o pensar, dizer ou fazer, mas a quebra de confiança deu-lhe a coragem para cumprir as novas vontades, com ou sem consentimento da mãe. Miguel saiu depois para a cozinha e foi enxaguar o cabelo, deixando a mãe no quarto entregue aos seus remorsos. Porém, ela não os conseguiu suportar e correu atrás de um perdão do filho. Miguel não a quis ter por perto. Pegou num pano de limpeza e saiu de casa, determinado e assustado com o rumo que a sua vida ameaçava tomar. Arnaldo notou-lhe a saída e decidiu comemorar a vida que não tirara com mais um brinde de vinho.
Miguel passou o resto da tarde junto ao rio, dorido e zonzo, tateando a ferida na cabeça e rasgando ainda mais a que se abrira no seu coração. Tentou perceber as mudanças que sopravam à sua volta, vasculhando no âmago pela coragem para dar cumprimento às suas palavras. Sozinho, sentado onde horas antes tivera o seu primeiro envolvimento com uma rapariga, chorou pela mãe que conhecera, que o mimara e educara. A mesma pessoa, nua e pequena, estendida num chão pecaminoso.
Miguel regressou para casa quando os últimos raios de sol sustinham o destino num horizonte inquieto. Sem fome nem alegria, seguiu direto para o quarto sem dizer palavra a alguém. Deitou-se sobre o colchão esburacado, de olhos cerrados e com a cabeça a latejar dúvidas. Algum tempo depois a mãe trouxe-lhe um pedaço de pão de trigo. Ele não quis e virou o olhar para a parede. Joana ainda tentou retomar a conversa, mas ele cortou-lhe o andamento, adiantando que estava cansado e com sono. Porém, com o coração palpitante de sentimentos simétricos, Miguel não iria dormir naquela noite. Perto das quatro da manhã levantou-se, tremelicando numa vontade de esperanças. Chegou-se à mãe e, depois de algumas hesitações, abanou-a.
– ‘Tá na hora de irmos – disse-lhe Miguel.
Ela acordou estremunhada, vinda de um sonho profundo, nas intermitências de um castigo avalizado pelo falecido marido, e nem sequer sabia onde estava. Joana demorou algum tempo a reconhecer o filho e os seus propósitos.