Sombras de Silêncio #115

Cina era a única mulher da casa e era responsável pela sua lide, ajudando ainda nas tarefas do campo. Crescera numa família pobre e sem posses, adormecendo todas as noites com o estômago pendente às costas. O destino reservou-lhe uma gravidez inesperada no final da adolescência e casou pouco tempo depois. Era muito apegada ao trabalho e à arte de poupar; reaproveitava cada migalha de pão, nem que para isso tivesse de a reivindicar aos animais. Não era uma mulher muito vistosa, com um nariz empinado e a cara pintalgada de sinais. O marido relembrava-lhe com frequência que se Deus a assinalara era porque algum defeito lhe achara. Deixara crescer o cabelo e usava-o apanhado, tal como aos sonhos. De soslaio, desejava a liberdade, mas não estava disposta a abdicar das certezas conquistadas.

Simão, cujo nascimento foi desejado de forma díspar pelos pais, transformara-se num rapaz enérgico, ainda que também tivesse herdado a baixa estatura dos ascendentes. As sardas que o atormentavam na infância não desapareceram na adolescência. Andara na instrução, onde aprendeu a ler e a escrever, e foi depois ajudar a família no cultivo das terras. Aos dezasseis anos fazia questão de substituir o avô nas tarefas mais pesadas. A vinda da tia e do primo, por quem não tinha particular afeto, trouxe-lhe dissabores, visto que o quarto onde dormia foi legado pelo avô aos recém-chegados.

Sombras de Silêncio #115

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