Na quinta, numa posição diametralmente oposta à casa, existia ainda um casebre, dividido por dois espaços. Num deles morava um boi de chifres proeminentes que se ocupava do arado; no outro, duas cabras provinham o leite para o pequeno-almoço de Cina e do filho. Os homens da casa preferiam a sopa pintada de vinho para enganar a força. Entre os dois edifícios existiam várias culturas. A família vivia da agricultura, não só pela alimentação, mas também pelo dinheiro que permitia juntar no comércio dos excedentes inventados. Junto ao Tejo, um pouco a jusante da estação ferroviária e antes do rio Ota, a família detinha ainda uma tira de terra com cerca de meio hectare onde cultivava milho.
Manuel já ultrapassara os setenta anos; estava quase calvo e tinha o corpo atarracado. Porém, conservava uma tenacidade fulgurante e empenhava-se tanto como o filho na lide do campo, qualquer que fosse o serviço ou a alfaia. A vida dura ensinara-lhe que o trabalho da terra era a melhor motivação para a subsistência. Um ano depois de ter ficado viúvo, Manuel ainda procurou alguém para dividir a intimidade e os medos. Mas a única mulher disponível era viúva do seu grande amigo de infância e o desejo pesou-lhe na consciência. Assim, passou a ir mais amiúde à feira de Torres Vedras. Manuel gostava de deambular pelas tabernas, esbanjando o orgulho que tinha no filho perdido ao serviço da pátria, enquanto abafava as mágoas em copos de vinho.
Depois da morte de Carlos, Arnaldo continuou a viver na sombra do irmão. A calvície chegara-lhe mais cedo do que ao pai, tendo herdado também a baixa estatura. Sempre lhe parecera que Deus tinha inventado os irmãos para dividir as qualidades e os defeitos, mas esperava ser mais considerado após a tragédia fraternal.