Sombras de Silêncio #111

As notícias do descalabro do Corpo Expedicionário Português na Flandres foram céleres a chegar a Portugal. Porém, as certezas eram poucas, dadas as dificuldades na contagem dos mortos, estropiados, capturados e desaparecidos. Apenas no final do mês, Joana foi oficialmente informada que o paradeiro do marido era desconhecido. Os dias e as noites transformaram-se num périplo de dúvidas angustiantes e os sorrisos fortuitos desapareceram. Todos os momentos eram divididos entre uma saudade que lhe apertava o peito e uma indecisão tormentosa sobre o futuro. Diariamente, Joana e Miguel desciam até à estação dos correios, entre a uma e as duas da tarde, à espera de um milagre que nunca chegou. Após a vitória dos aliados ocidentais, e algum tempo depois do armistício, a maioria dos soldados lusitanos sobreviventes regressaram à pátria. Muitos outros, por vontade ou por falta de oportunidades, decidiram permanecer em França. Com a passagem inexorável do tempo, a subtil esperança de Joana esfumava-se e desaparecia no ar ao som de uma marcha fúnebre. Contudo, antes de irem dormir, ambos mantinham religiosamente os mesmos hábitos, rezando a Nossa Senhora de Fátima, que voltara a agraciar os pastorinhos com mais aparições e revelações.

Os primeiros dias do ano novo trouxeram ventos frios de saudade, que congelaram Joana em frente à janela da cozinha. Arrebatada por uma frívola esperança, ansiava que o marido surgisse no horizonte escuro. O dia de Reis trouxe um oficial do quartel que se dizia portador de más notícias. Joana agarrou-se ao filho e os dois sentaram-se na curta escadaria da entrada. O homem, sem desmontar do seu cavalo, foi discorrendo os seus pêsames, informando que o corpo tinha sido encontrado já sem vida e fora reconhecido como o «primeiro-sargento Carlos Fernandes», sendo depois sepultado numa aldeia próxima do campo de batalha. O militar desceu depois do cavalo e dirigiu-se a eles, entregando-lhes uma fotografia, a preto e branco, de um campo transformado num cemitério. Notava-se ainda uma pequena tabuleta de madeira onde era visível o nome «Portugal». No verso da fotografia estava escrito «Richebourg», o lugar do sepulcro.

– E qual é a sua campa? – perguntou-lhe Joana, soluçando, com as lágrimas a correm-lhe pela face em rios infinitos de melancolia.

– Isso não sei, mas disseram-me que elas estão identificadas, caso um dia lá queira ir – respondeu o militar, entregando-lhe depois um envelope.

Sombras de Silêncio #111

Comentários