É inevitável. Mais cedo ou mais tarde acabaremos por descobrir o desencanto no geocaching. Todos os passatempos estão sujeitos a uma acumulação de desinteresse, tanto pela rotina como pela alteração da nossa disponibilidade. Porém, as nossas práticas e a forma como encaramos o geocaching poderão aproximar-nos desse estado de deceção. Naturalmente, todos temos uma visão distinta do passatempo e cada um de nós procura ou valoriza algo diferente, quer seja a partilha de novos locais ou atingir um determinado objetivo estatístico. Existem inúmeros tipos de geocachers e cada tipo contempla diversas fases de evolução no geocaching. Assim, o que é válido para um geocacher, pode não o ser para outro. Tendo em conta a diversidade que existe no passatempo, é difícil dissertar presunções ou irrefutabilidades, mas pode ser viável salientar sugestões direcionadas para sobreviver ao desencanto no geocaching.
O desânimo poderá florescer na própria iniciação. Convenhamos que, para lá da estranheza que pode advir da procura de recipientes em circunstâncias ou locais inusitadas, com a massificação do passatempo aumenta a probabilidade de a primeira experiência não ser a mais recomendável. Quem descobrir o geocaching hoje na Internet e amanhã quiser ir à procura da cache que fica mais próxima de casa, poderá andar às voltas de um sinal de trânsito, enquanto se vão acumulando olhares e suspeitas sobre si. Tal acabará por trazer algum desencanto e aquilo que parecia um conceito muito interessante poderá tornar-se em algo apenas estranho e despropositado.
Tanto para quem começa como para os que já cá andam há mais tempo é importante fazer uma análise seletiva das caches. Por mais que nos esforcemos, não conseguiremos encontrá-las todas. Assim, mais vale dedicar a nossa atenção àquelas que considerarmos como as melhores. No meu caso, praticar um geocaching baseado na qualidade é meio caminho para evitar que algum desapontamento se instale. Não o faz desaparecer da esfera de possibilidades, mas pode protelá-lo de forma significativa. O geocaching baseado na qualidade não tem de ser necessariamente esporádico, mas pode estar sujeito a certas condicionantes e a sua frequência é proporcional à distância que estamos dispostos para percorrer para o praticar. Para além disso, e tal como em outras tantas coisas na vida, o que não é regular tem mais hipóteses de tornar-se especial.
Mesmo privilegiando a qualidade também tenho de ter algum cuidado com a quantidade. De certa forma, este guia para sobreviver ao desencanto começa a parecer-se com uma dieta. Sei que se começar a calcorrear demasiados powertrails principiarei a perder algum interesse no geocaching. Encontrar uma cache compreende um conjunto de etapas e vai para além de um sorriso no mapa. Desde a leitura da listagem, passando pela descoberta do recipiente e até à criação de um registo online condizente. Para alguns, o respeito por este seguimento lógico da experiência poderá mesmo ser um ritual e desviam-se de tudo o que o possa deturpar. Num powertrail são poucos os recipientes que todos encontram e o registo mais comum acaba quase sempre por ser geral. Contudo, verdade seja escrita, existem diferentes tipos de powertrails e os mesmos podem surgir com objetivos distintos. O grande problema reside no facto de nalguns o geocaching ficar num plano distante e ser apenas um pretexto para atingir um fim estranho. Não me agrada de sobremaneira andar de carro de cache em cache a vencer estatísticas. Cada descoberta parece-me uma vitória pírrica até ao desinteresse final. Embora compreenda que o contexto acabe por proporcionar alguns momentos de partilha, o conceito de prosseguir numa fila em paragens sucessivas durante um dia inteiro não me cativa. Prefiro atravessar uma montanha num dia para encontrar apenas uma cache.
Acredito que orientando o geocaching por menor quantidade e mais qualidade estarei mais perto de sobreviver ao desencanto no geocaching. Mantendo a disponibilidade, quando o deslumbramento esmorecer, bastará acertar a data para uma nova aventura e tudo voltará a ser como antes. No limite, cada um valoriza algo distinto no geocaching. Depois de o compreendermos e definirmos, fase após fase, sorriso após deceção, bastará isso para reencontrarmos aquele lugar especial chamado fascínio.
Artigo publicado na Geomagazine #24.