Regresso a Saramago. Desta vez fiz-me, a meio caminho da vida, em busca do seu final. A morte é uma presença inevitável na nossa existência. Bem poderemos sonhar com formas de a vencermos, mas acabaremos sempre derrotados. Seja de uma forma metafísica ou científica, pelo tempo ou pela memória, não existirá forma de lhe escapar. Ultrapassada, de soslaio, a questão dogmática sobre se a morte é a continuação da vida, e tendo consciência da sua inevitabilidade, este tema acaba por ser recorrente na literatura.
Saramago debruçou-se sobre a morte já numa fase avançada da sua vida. Suponho que a aproximação redefina a ideia e a perspetiva do acontecimento derradeiro. A história começa com uma frase enigmática: “No dia seguinte ninguém morreu.” Estava criado o elemento perturbador que iria despoletar as peripécias que se seguiriam. Num país genérico, farta dos queixumes das suas vítimas, a morte decidira deixar de atuar. Não é propriamente original apresentar a morte como uma entidade e não como um acontecimento, mas é muito interessante notar a exploração que Saramago faz dos acontecimentos consequentes.
O livro pode ser dividido em duas partes distintas. Numa primeira parte, e pegando em idiossincrasias (de uma forma crítica) que caraterizam algumas profissões/ocupações que se relacionam com a morte (religiosos, políticos, agentes funerários, agentes de seguros, filósofos, economistas e mafiosos), Saramago vai descrevendo um cenário aparentemente utópico, mas que acaba por se transformar em distópico. Afinal, a morte talvez seja mesmo mal necessário. Talvez esta fosse uma forma de o próprio escritor se mentalizar que a morte é mesmo a melhor forma de terminar a vida. Porém, logo de seguida, a morte decidiu mudar as regras do jogo e criou também uma forma de avisar as suas intenções para que ninguém fosse mais surpreendido por uma partida súbita. Porém, esta nova realidade trouxe também alguns dissabores e queixumes. A humanidade nunca estará satisfeita com nada.
Numa segunda parte da história, e por razões que nem a própria desconfiava, alguém conseguiu ludibriar a morte. Tentando perceber o que acontecera, a morte voltou a transformar-se: deixou de ser uma entidade e humanizou-se. Parece inevitável que a morte assuma uma forma feminina na nossa consciência; talvez esteja relacionado com um certo equilíbrio do mundo. No final, a própria morte acaba por se redescobrir através da beleza da arte e de emoções insuspeitas. Afinal, a vida é tão fantástica que até a própria morte se apaixona por ela. E “no dia seguinte ninguém morreu.”
Bons livros e boas leituras!