Tal como no alpinismo apenas se considera o cume alcançado quando se consegue descer em segurança para contar a aventura, o geocaching apenas se concretiza através dos registos. Oficialmente, uma cache é descoberta quando é feito o registo online, supostamente depois de ter sido assinado o livro de registos da cache. É sabido que os registos são uma parte fundamental do geocaching. Porém, nem sempre os registos se coadunam com a promoção da qualidade no passatempo. Neste artigo irei abordar a importância de criar bons registos. A escolha das palavras não é fortuita, visto que um registo depende de um momento de criação e não se limita à escrita. A fotografia é também uma parte importante da estória que se pretende contar. É indubitável que os bons registos promovem a qualidade do passatempo. Mas, afinal, o que define a qualidade de um registo?
No limite, escrever é uma arte. Como tal, depende da inspiração de cada um. Porém, antes de ser uma arte, escrever é sobretudo um exercício de trabalho. Para escrever bem é fundamental ler bastante. O resto resolve-se com aprendizagem, espírito crítico, persistência, dedicação e muita correção. Ao contrário do que se possa pensar, o último ponto final não termina o texto; tão importante como saber escrever é perceber o que se deve cortar. Na escrita, a simplicidade pode mesmo ser o último grau de sofisticação. Depois de cada frase podemos fazer o exercício de avaliar se não existe uma forma mais simples (e não simplista!) de descrever o que se pretende. Nos registos de geocaching também se pode fazer esse exercício. Contudo, muitos geocachers exageram na parte do corte e os seus registos resumem-se a pouquíssimas palavras, acrónimos, emojis e até mesmo ao vazio. Ninguém estará à espera de ganhar um prémio através de um registo no geocaching. Porém, e dependendo naturalmente das circunstâncias e da cache, podemos sempre criar algo que valorize o passatempo. Para além do registo escrito, é importante acrescentar fotos. Sem revelar demasiados pormenores sobre o recipiente e a sua localização, as fotografias permitem ter uma perceção imediata e eventualmente mais fidedigna da cache/experiência.
Existem alguns tutoriais com dicas e sugestões que podem ajudar os geocachers que pretendem melhorar os seus registos. Em termos práticos, para além de informar o dono sobre o estado atual cache, um bom registo poderá também divulgar informações relevantes para os geocachers que a visitem futuramente. De forma a criar um bom registo é importante organizar as ideias. Para facilitar, podemos até separar o registo por partes/parágrafos. Por exemplo:
- A listagem – A descoberta da cache começa em casa.
O que despertou o interesse? O que se aprendeu? Quais foram as expetativas?
- Trajeto/Viagem – Ninguém surge no local da cache por geração espontânea.
Qual o contexto ou a razão da visita? Foi fácil ou difícil chegar ao local da cache? Poderá ser útil acrescentar pontos intermédios?
- Descoberta do recipiente – Encontrar o recipiente é diferente de encontrar a cache. O recipiente é apenas uma parte da cache.
Qual o tempo de procura e a dificuldade associada? Surgiram alguns constrangimentos com a presença de muggles?
- Informações várias – Todas as caches são compostas de mudanças.
É necessário fazer manutenção? Foi realizada alguma manutenção? As circunstâncias do local alteraram-se? Houve troca de itens, TBs ou geocoins?
- Experiência – Acumulação de memórias.
O que foi mais marcante? Sugestões?
- Depois da cache – Existe vida após a descoberta.
O dia de geocaching terminou nesta cache? Ou qual foi a que se seguiu?
- Agradecimento – Mais do que uma sigla.
Obrigado! Muito obrigado pela partilha!
Para a generalidade dos geocachers existirá sempre um primeiro momento em que por mais que se escreva não se conseguirá transmitir o quão marcante a cache. No nosso caso, e após uma série de registos bem-intencionados, acabámos por perceber que um bom registo é a melhor forma de expressar gratidão ao dono da cache pela experiência proporcionada. Desde então, esforçamo-nos por criar registos que, de alguma forma, levem o dono a pensar que valeu a pena criar a cache. Nem sempre o conseguimos, mas vamos tentando. Como donos de caches, é impossível ficarmos indiferente a verdadeiros relatos literários que nos levam a reviver a descoberta ou a experiência.
Como ninguém nasce ensinado, também os novos geocachers poderão não perceber de imediato a importância de criar bons registos. Poderá acontecer que o geocacher tenha sido iniciado no passatempo por outro que não valoriza os registos. O geocacher novato pensará que a prática de ser excessivamente sucinto ou de não deixar fotos é correta. Assim, depois de recebermos um registo vazio numa cache nossa e antes de enviarmos um email provocador, deveremos considerar a hipótese de o geocacher não conhecer as boas práticas do passatempo. Inclusive, nesta situação, alguns geocachers optam por enviar uma mensagem pedagógica e construtiva. Não valerá a pena espicaçar uma reação inusitada. Poderemos estar apenas a gerar desânimo e incompreensão.
Mas será que todos os registos devem ser longos e pormenorizados? De uma forma onírica poderíamos pensar que sim. Contudo, sabemos que a resposta é negativa. Existem muitas variáveis nesta equação comunicacional. A primeira de todas é a disponibilidade. Nem sempre temos tempo para descrever tão bem quanto queríamos a aventura vivida. E é igualmente legítimo que optemos por não o fazer. O geocaching é “apenas” um passatempo e deveremos pesar de forma equilibrada o tempo que lhe dedicamos. Alguns geocachers, mediante a pouca disponibilidade e a aversão ao minimalismo, acabam por atrasar os seus registos. Ganha-se em conteúdo e na promoção da qualidade, mas perde-se em oportunidade.
De um modo geral e face a uma certa “industrialização” do passatempo, muitos geocachers acabaram por desvalorizar os registos. Existem inclusive diversas estratégias. Uns esperam que alguém faça o primeiro registo e, depois de uma breve introdução, terminam com a referência que o colega já disse tudo. Alguns gostam de ocupar bastante espaço, criando desenhos ou mensagens com símbolos; pode até ser artístico, mas ao observar-se o conteúdo relevante poderemos ficar com pouco. Outros aproveitam o mesmo registo para validar a descoberta de inúmeras caches de contextos diferentes. Torna-se então importante questionarmo-nos o que será melhor: receber um “Encontrei” ou receber a descrição de como foi o dia, o fim de semana ou mesmo as férias de alguém, e que nada revela sobre a cache em questão. Porque é difícil responder a esta pergunta, uma boa alternativa passa por praticar geocaching num ritmo mais lento, encontrando menos caches, filtrando a qualidade, e dando mais atenção a cada cache. É preferível encontrar apenas uma cache e sair de lá com uma estória para contar, do que não sabermos o que dizer de cem descobertas que não ficaram na memória. Por último, a melhor forma de promover a qualidade dos registos passa por criar caches com qualidade. Ninguém fica indiferente a uma experiência marcante!
Artigo publicado na GeoMagazine #18.