Num ano que estava pensado para o regresso ao Ultra Trail Serra da Freita, uma lesão acabou por adiar a revisitação da minha primeira prova de ultra trail. Desde então, ao longo da última década, fui saltando de prova em prova sem repetições, tentando percorrer as mais interessantes. Apesar de as pernas se queixarem de forma diferente, a motivação continua a ser a mesma: fazer ultra trail para ficar mais próximo de uma vida saudável e manter-me saudável para fazer ultra trail. Desta vez serviu também para correr contra as bolas de Berlim e as tortas de Azeitão do verão.
A alternativa pós veraneante acabou recair no Ultra Trail Boneca Douro, 46 km. Para complementar a preparação, corri a meia maratona de Ovar no fim de semana anterior, visto que a participação no ano transato tinha-me deixado um sabor agridoce de incumprimento moral. A inscrição contígua na altura pareceu-me boa ideia, mas o corpo acabaria por discordar da dose de esforço, mormente também pelo aparecimento de uma gripe para ajudar à festa.
Sobre o Ultra Trail Boneca Douro sabia que era na Serra da Boneca e ficava perto do Douro. Por preguiça ou ânsia de ser surpreendido, deixei o resto para a descoberta. Já em Sebolido, depois de levantar o dorsal é que olhei para o gráfico de altitude da prova. Conjugando o gráfico com alguns comentários de outros atletas antes da partida percebi que ira ser um dia difícil.
O percurso iniciou com um trilho individual interessante junto do rio Douro. Subiu depois a encosta e foi desbravando vales até confluir com o trilho panorâmico que me levou ao Poço Negro. Com a chuva dos últimos dias, a cascata estava muito fotogénica e lá fui tirando algumas fotos enquanto subia por corda a encosta íngreme. Depois de uns quilómetros a rolar, a paisagem transformou-se pela passagem de um incêndio recente e comecei a questionar a razão de o percurso se manter. Percebi logo depois, ao entrar na monumental Gruta das Banjas. Foi o segundo sítio que me fez esquecer onde estava e aproveitei para cirandar um pouco de um lado para outro em modo fotográfico.
Entrei novamente em modo corrida e lá cheguei ao primeiro grande empeno do dia, com uma longa subida de uma encosta. O estômago começou a reclamar e lá fui acumulando as queixas e cãibras do corpo, enquanto a mente alinhava os motivos de arrependimento por mais uma inscrição prova de ultra trail, mormente pela falha de preparação em trilhos de montanha.
Alentado por mais um abastecimento, fui em companhia por um trilho junto a mais uma ribeira e segui depois para o restante percurso em solitário. A subida pela encosta até ao miradouro da torre de vigia acabou por não ser tão dramática quanto o gráfico anunciava, sendo que as vistas para o Douro compensaram o esforço. Depois de algumas passagens pelos eucaliptais, matas e mimosais desta vida, a aproximação ao final revelou novamente a grandiosidade da paisagem duriense, com passagem pelos fotogénicos miradouro e baloiço da Boneca.
No meio de tudo, a organização e colaboradores foram fantásticos. Muitos parabéns pelo excelente trabalho de marcação e nos abastecimentos. Certamente regressarei para explorar a zona com mais calma, em modo geocaching. Curiosamente, diria que esta prova tem pormenores semelhantes à Freita, nomeadamente na tecnicidade dos trilhos xistosos. Uma prova difícil, mas compensadora. No final, cerca de 46km, 8h e 2000 metros de subida acumulada depois, aquela alegria imensa de terminar, com o corpo a acumular queixas e a mente sorrateiramente a pensar na próxima.