Girolme seguia distraído com rebuliço envolvente, desejoso por regressar à pacatez dos seus pastoreios. Subiram a escadaria e entraram num escritório onde estava um homem obeso, atarracado no seu fato, a fumar um cigarro. Ao fechar a porta atrás de si, Girolme começou logo a agonizar com o cheiro e desenlaçou a tosse. O homem poisou o cigarro no cinzeiro, abarrotado de beatas, franziu o sobrolho ao olhar para Girolme e perguntou:
– São de Maceira Dão?
– Somos sim, o meu patrão deve ter-lhe…
– Sim, eu já falei com ele anteontem. É boa pessoa, não é? – interrompeu o homem.
– Eu, pelo menos, não tenho razões de queixa – respondeu de pronto Luís.
– E é cumpridor da palavra?
– É palavra de lei – devolveu Luís.
– Ora mostre cá então os papéis e sente-se – rosnou o homem, direcionando o olhar para outros papéis dispostos de forma quase aleatória sobre a secretária.
Luís assim fez. O homem agarrou num formulário e começou a preenchê-lo, pigarreando e tossindo a cada linha. Girolme continuava de pé, olhando pela janela com uma vontade enorme de a abrir.
– Eia, a quinta é mesmo grande! Quer dizer, eu já sabia que era grande, mas não tinha ideia que fosse assim tão grande. E o convento, ainda está de pé?
– Está sim – confirmou Luís.
– Eu fui lá pela Senhora da Cabeça e aquilo pareceu-me cada vez pior. Pronto, já está! O seu patrãozinho, se tudo correr bem, há de ter o subsidiozinho. Agora é só vossemecê assinar aqui e irei recambiar isto para Lisboa; eles que se entendam com a Europa.
Luís pegou na caneta e rabiscou a vontade, finalizando com um sorriso apreensivo.
– Tenham um bom dia e vão lá à vossa vida – quis concluir o homem.
Luís colocou as mãos nos joelhos indecisos e ergueu o corpo, mas voltou a sentar-se, questionando:
– Olhe, eu estava a pensar: isso é um subsídio das terras, das árvores e dos animais que nós temos, não é?
– É sim – confirmou o homem.
– Então, por exemplo… quer dizer, este homem que aqui está… ele trabalha lá na quinta. É pastor e chama-se… quer dizer, nós chamamos-lhe Risadas. Girolme Risadas. Dou-lhe de comer e todos os meses dou-lhe… dinheiro. Será que não se arranja aí alguma maneira de… não sei, receber qualquer coisita, nem que fosse só para a bucha.
– Olhe bem para ele – disse o homem, colocando os dois cotovelos sobre a secretária e as mãos debaixo do queixo.
Luís sorriu e revirou o olhar para Girolme, concluindo que fizera muito bem em trazê-lo desmazelado. Girolme começou a definhar em vergonha, desviando o olhar para o chão.
– O homem parece-lhe algum carneiro? – perguntou o homem.
– Não…
– Então como é que você quer receber dinheiro por ele? – respondeu o homem, esforçando-se por manter um ar sério.
O sorriso de Luís esfumou-se em deceção. Levantou-se de seguida e indicou a Girolme para saírem.
– Sabe, é como diz o outro: mama, mas não abuses – disse o homem, depois de acender um cigarro.
Luís não lhe respondeu; tampouco o encarou. Os dois saíram do edifício e Luís entrou num café que ficava mesmo ao lado, dizendo a Girolme para que o esperasse enquanto ele ia contar as novidades, por telefone, ao dono da quinta. Volvidos alguns minutos, Luís saiu do café e, num tom apressado e ainda irritadiço, disse para Girolme:
– Ande, não se atrase, temos muito que fazer! Há que recuperar o tempo perdido. O patrão ‘tá a mandar que ainda hoje temos de começar a compor a terra, ao lado da casa, onde ele quer construir a piscina. Hoje já não irá p’ro pasto; as ovelhas terão de passar com a palha. ‘Tou a ver que isto dos subsídios dá mais trabalho que a ganância!