Ao aproximar-se do prédio, no meio das luzes opacas e dos ruídos festivos, havia um som psicadélico que se elevava no ar, sob o lado mais negro da lua. Pouco depois, os outros sons desapareceram e restou apenas o som abafado, e quase impercetível, do bater de um coração. Foi então que, vindo de um pequeno arbusto que ficava defronte do prédio, um homem atirou-se sobre Girolme, estatelando-o na escadaria.
– Ah pide, vais pagar por tudo o que fizeste ao meu filho! – disse o homem enraivecido, entre as sombras.
– Mas eu nã fiz nada! Juro por Deus! Eu só lá fui p’ra ver a festa. Juro que nã fiz nada. P’lo amor de Deus – ia gritando Girolme, quer para o convencer da verdade quer para amplificar o barulho de modo a captar a atenção de alguém que o pudesse ajudar.
O homem agarrou-o depois pelos colarinhos e elevou-o ao seu olhar encolerizado. Girolme reconheceu então o homem que o ameaçara durante o dia. Chico levou depois um dedo indicador à boca e gorjeou:
– Chiu. Está caladinho que é melhor para ti!
– Por favor – volveu Girolme, num tom mais baixo e tentando apelar à compreensão do homem –, peço-lhe por tudo que nã me faça mal. Olhe que eu nã sou da PIDE. Eu nunca fiz mal a ninguém!
– Tu… tresandas a culpa. Deverias ter sido tu que o mataste, mas agora vais pagar por tudo – disse o homem, retirando de seguida uma navalha do bolso.
Quando viu reluzir a lâmina, Girolme esgrimiu, com uma vontade inexcedível, novos argumentos que o desresponsabilizavam de qualquer ato. Porém, acabou apenas por apelar sua à misericórdia e pediu a Nossa Senhora que o ajudasse.
– Chega! – gritou Chico, aproximando a navalha do pescoço de Girolme, enquanto do outro lado da rua passava um grupo de pessoas que entoavam cânticos de esperança.
– Está bem, eu calo-me, mas nã me faça mal. Eu nã sou quem pensa – respondeu-lhe Girolme, com as lágrimas a correrem-lhe pela cara. A vida tinha-o encurralado em muitas situações complicadíssimas, mas em nenhuma temeu tanto pelo seu fim como às mãos daquele desconhecido.
– Levanta-te e segue à minha frente – ordenou o homem.