Sombras de Silêncio #307

Por volta das seis e meia da tarde chegou ao local uma chaimite, que sairia cerca de meia hora depois com alguns membros do governo deposto. Os gritos de vitória do povo fizeram então estremecer as fundações do ser português. Bernardo e Girolme também participavam na festa, empunhando cravos, que entretanto se tinham multiplicado na multidão. Estava então consumada a revolução, que todos julgavam impoluta. Soube-se mais tarde que elementos da polícia política abriram fogo sobre a multidão, na sua sede sita na rua António Maria Cardoso, provocando um morto e vários feridos. Pouco depois, o jovem capitão levantava o cerco ao quartel e a multidão espalhou-se em festa pela cidade. Qualquer que tivesse sido o lado da barricada, era tempo de festejar o futuro.

Ainda antes do pôr-do-sol, Bernardo e Girolme iniciaram o regresso às suas casas, percorrendo com felicidade o trajeto que pelo meio-dia tinham realizado com esperança. Ao longo do caminho foram trocando felicitações com as outras pessoas. Entretanto, Bernardo também foi esclarecendo Girolme de mais pormenores relacionados com os atropelos provocados pelo antigo Estado. Girolme, já com poucas reservas, ia melhorando a compreensão do estado político e social do país, em particular sobre as circunstâncias que tinham levado a que fosse aprisionado por ter sido confundido com um comunista. Estava contentíssimo por, segundo lhe assegurara o amigo, recuperar a liberdade de ser quem quisesse. Para além de pastor, conforme insistia em apresentar-se, não tinha intenções de ser alguém diferente, mas agradava-lhe a independência.

Bernardo explicou-lhe ainda que as pessoas do prédio onde vivia eram trabalhadores e agentes do governo deposto, pelo que ele deveria ter bastante cuidado. Num primeiro momento, Girolme desconfiou da sentença e até a tentou contradizer, assegurando que todos eram boas pessoas, apesar de raramente saírem do seu mundo. Todavia, à medida que o amigo foi adiantando mais pormenores começou a acreditar na possível ameaça. Um pouco antes de chegarem ao prédio onde Girolme vivia, Bernardo arremeteu por uma outra rua e os dois despediram-se com um abraço.

Sombras de Silêncio #307

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