sunrise@CântaroMagro_17

 

Já lá vão seis anos desde o primeiro sunrise. Os três primeiros decorreram sem que existisse um evento de geocaching associado. A motivação inicial estava relacionada com a procura de inspiração para escrever O Tempo Inquieto. Passados estes anos, diria que a história continua a escrever-se, mas de uma forma diferente, também pela maneira como cada pessoa que participa no evento o vive. O plano de atividades era exigente e as temperaturas elevadas acabaram por acrescentar mais dificuldade. A ameaça de trovoada e chuviscos ajudava a completar o cenário, mas nem isso demoveu as dezenas de pessoas que se deslocaram até às terras altas da Beira para mais um fim-de-semana de aventuras e Natureza.

No sábado, depois de uma breve confraternização em Seia, arrancámos Into the Wild pelos trilhos da Estrela. A subida inicial até à Cabeça da Velha fez-se sem grandes problemas e o percurso pelos canais de água serviram para recuperar do esforço, assim como o banho refrescante nos Cornos do Diabo. Continuando pelo trilho, passámos o Porto dos Bois e aproveitámos a ribeira da Caniça para uma nova pausa, refrescando a vontade e alimentando o ânimo. Como anunciado pelas previsões meteorológicas, estava bastante quente, pelo que o desafio exigia mais cuidado, muita água e algumas paragens de recuperação do esforço.

 

Enfrentámos depois o grande desafio do dia, com a subida da Crista do Carvalhalzinho. Aproveitando o trilho aberto no ano passado pela prova do Ultra Trail Serra da Estrela, fomos subindo a encosta. A visão do vale da Caniça foi-se tornando mais inteira e panorâmica. As dificuldades foram sentidas de forma distinta e o grupo acabou por se alongar. A chegada à Lagoa Comprida serviu para um novo descanso, assim como para um almoço reforçado pelas iguarias da região. Foi interessante notar a mudança no estado de ânimo: à chegada, metade dos caminhantes estava convencido que iria desistir; após o descanso e algumas palavras de motivação, quase todos prosseguimos.

O percurso quase plano pelo estradão da lagoa serviu para ajudar a recuperar do cansaço. Nota ainda para o mar de água que jorrava do túnel vindo da Lagoa do Covão do Meio, do outro lado da montanha. Despedimo-nos da planura reconfortante e iniciámos a subida para o planalto do Cume. Mais uma vez, é fantástico vislumbrar a Lagoa Comprida na sua plenitude; parece um manto de água suspenso sobre o horizonte. Depois de passarmos pelo Cume, enveredámos por uma nova versão do percurso. Em vez de descermos até à Garganta de Loriga seguimos pela Rota do Maciço Central e fomos cumprimentar de soslaio os dois cântaros. Arrisco dizer que a mudança vale sobretudo por aquela visão. Dali, fomos até à Torre num esgar. Para além do cansaço natural, continua a fascinar-me a alegria nos rostos das pessoas por terem ultrapassado o desafio. Aquilo que antes era apenas um sonho tornara-se realidade pelo suor da vontade. No total foram cerca de 24 km de percurso. O trilho pode ser visto aqui. Parabéns a todos os resistentes!

 

Após a logística de recuperação dos carros, seguimos para o estacionamento do Cântaro Magro, onde já estavam alguns participantes a aguardar para a subida. Aproveitámos então para jantar e ultimar os preparativos. Com algum atraso, acabámos por subir já depois de anoitecer, mas tudo correu sem sobressaltos. Porém, quando chegámos ao topo já lá estava o vento. Depois de alguma exploração, fomos à procura dos lugares mais abrigados. Fizemos o check-in e preparámo-nos para a ceia. Como tem sido habitual, não faltaram os queijos e os enchidos para reconfortar o estômago, assim como variadíssimos licores para tonificar a alma. A meio do convívio passou uma nuvem mais negra e ainda deixou cair algumas pingas, mas foram chuviscos de pouca duração. Felizmente!

Como o dia anterior tinha sido exigente e o seguinte não se afigurava diferente, alguns dos participantes avançaram para a pernoita. Outros, pareciam querer vigiar a noite e as estrelas enquanto houvesse motivação. Ou seja, algo para beber. Pelo meio tive de me afastar um pouco para ver se conseguia dormir, mas mal consegui enganar o sono. Noite dentro, chegaram mais participantes. Inclusive, depois de esgotarem a bebida, os convivas conseguiram que chegasse mais. Fui despertando de barulho em barulho, até que me levantei às 4h30 para ir buscar os participantes que iriam fazer a subida de madrugada. Quando cheguei ao local de estacionamento encontrei um certo olhar intrigado em algumas pessoas que iriam fazer a subida pela primeira vez. No fundo, é a mesma que eu tive há alguns anos atrás quando desconfiava ser impossível fazer aquela subida sem material.

Em fila, escuridão dentro, seguimos pelas escarpas do Cântaro. Ao longe, deveria parecer uma procissão para o céu. A subida acabou por delongar-se um pouco mais do que o esperado, dado o número de pessoas. Todavia, obstáculo atrás de obstáculo, lá conseguimos chegar ao topo. Seguiu-se o momento pelo qual todos esperávamos. Mais isolados ou em grupo, em silêncio perscrutador ou em convívio, os presentes distribuíram-se pelo espaço para receberem mais um dia. Pode parecer tendencioso, mas o amanhecer neste local é deveras especial e diferente de todos os outros. Este foi ainda mais especial, pois finalmente consegui convencer a Valente a estar presente. Ano após ano, creio que este evento se transformou no meu início de Ano Novo. Assim espero continuar por muitos anos.

Após a habitual foto de grupo, recolhemos os resquícios da noite e descemos em fila para o mundo real. Aproveitámos então para tomar o pequeno-almoço com vista para o fabuloso hotel. Já com o estômago reconfortado, os participantes foram seguindo os seus caminhos. Alguns iniciaram a viagem de regresso, enquanto outros preparavam-se para mais alguma exploração da Estrela. O programa do evento para domingo oferecia uma caminhada entre o Magro e o Gordo. Após algumas despedidas, o grupo de resistentes fez-se ao caminho para a exigente descida para o Covão Cimeiro. Qualquer que seja a panorâmica que se tenha do Magro, o Cântaro impressiona a cada vislumbre.

Com passagem pelo carro sinistrado que fica a meio da descida, prosseguimos para o covão e atravessámos aquele terreno pantanoso. Apanhámos depois boleia na Rota do Maciço Central e chegámos ao Covão d’Ametade, onde a sombra verdejante nos reconfortou o corpo. Sempre na senda da rota, continuámos para o Vale da Candeeira, atalhando caminho um pouco antes na direção da Lagoa dos Cântaros. Na chegada à lagoa aproveitámos para um merecido banho nas suas águas refrescantes e límpidas. Já com o estômago reconfortado, iniciámos a subida pela crista da montanha em direção ao topo do Cântaro Gordo. Gosto bastante de fazer aquela parte do percurso, tanto por ter ainda alguma tecnicidade, como pelo desafio da subida constante e inclinada.

Com algumas paragens pelo caminho, alcançámos por fim o topo do Cântaro Gordo e fomos bafejados com uma vista fantástica sobre os vales limítrofes. A conquista deste desafio representou também o ponto de viragem nas dificuldades do fim-de-semana. O pior já passara. Seguindo pelo trilho, descemos do Cântaro e enveredámos pelo planalto na direção da estrada que, posteriormente, nos haveria de levar de regresso ao estacionamento do Cântaro Magro e à conclusão das aventuras do fim-de-semana. No total, neste percurso fizemos cerca de 8km, mas as dificuldades extravasam essa distância. O track pode ser visto aqui.

No final, já no conforto do carro, aproveitámos ainda a passagem pela Lagoa Comprida para um brinde de despedida. Infelizmente, enquanto andávamos perdidos do mundo na Estrela, uma neblina esbatida de fumo trouxe-nos a notícia dos incêndios que assolavam Portugal, em particular da tragédia de Pedrógão Grande.

Foram dois dias exigentes e quase sem dormir, mas fui para casa com a alma cheia. Tanto porque todos os regressos a estes recantos da Estrela são fantásticos, mas sobretudo por notar o encanto dos participantes ao viverem aquele momento especial e a sua alegria na superação dos desafios. Ao longo dos anos, dado o contexto e a envolvência, creio que o evento acabou por adquirir uma certa mística, que continua a fascinar quem o vivencia e também quem gostaria de estar presente. Para o ano há mais. Muito obrigado a todos os participantes por tornarem o sunrise@Cântaro_Magro ainda mais especial!

As minhas fotos do evento podem ser vistas aqui.

 

sunrise@CântaroMagro_17

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