Sombras de Silêncio #352

– O que é aquela casa lá em cima? – perguntou Girolme, com ambas as mãos fixadas nas pedras da torre, pelo medo que alguma ventania se levantasse de súbito.

– É… uma prisão – respondeu Manel, de forma compassada e num tom propositadamente enigmático –, os antigos dizem que há no convento uma passagem lá p’ra cima. E nom sei adonde…p’raí uma igeija com dois liões à porta. De oiro! Eu desconfio que fica ali p’raquele monte: o Castro.

Girolme atentou em tudo o que ele dissera e empederniu de desconfiança ao repetir mentalmente a canção que o pai lhe revelara. O oiro de que Manel falava poderia muito bem ser o tesouro que o pai lhe revelara. De seguida, sentados no cimo da torre e voltados para o monte, Girolme tratou de lhe fazer algumas perguntas. Porém, as descrições místicas e pouco concretas de Manel não deixavam espaço para quaisquer certezas. De qualquer forma, a oportunidade de ali trabalhar como pastor já lhe parecia uma benesse suficiente, assim o destino não lhe trocasse as voltas. Alguns acontecimentos recentes tinham-lhe levantado algumas dúvidas sobre como a vida estava organizada. Sempre julgara que tudo estava delineado e cada pessoa apenas tinha de seguir o caminho estabelecido. Naquele momento pareceu-lhe que, caso se tivesse penitenciado mais cedo em Fátima pelo abandono da mãe, estaria melhor na vida. Se assim tivesse acontecido, talvez Ritinha não fosse apenas uma lembrança. Pareceu-lhe então que o destino era apenas um conceito inventado por alguém que não sabia para onde ia ou o que queria.

Depois de mais alguns minutos de conversa, os dois desceram da torre, saíram do mosteiro e subiram a escadaria de regresso à capela. Prosseguiram depois para as terras de Asdrúbal, que andava a abrir uns regos para semear batatas. Ao vê-los, Asdrúbal mandou Manel ir ligar o motor de rega. Girolme foi com Manel e chegaram a uma fonte, engenhosamente escavada num quadrado pedregoso, com uma escadaria que descia até ao fundo. A água estava coberta por uma camada de líquenes verdes e Manel tratou logo de explicar que tal era para os peixes dormirem a sesta à sombra.

Sombras de Silêncio #352

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