Por coincidência e atalhando as vontades, acabaram por encontrar Luís Marques, o governante da quinta, junto à capela da Nossa Senhora da Cabeça, para onde tinha trazido o rebanho. Luís, de casaco felpudo, chapéu castanho e calças de flanela, estava apoiado no cajado no topo de um pedregulho. Um pouco mais abaixo, dois cães iam controlando o rebanho. À chegada dos três homens, os dois canídeos suspeitaram da abordagem e aproximaram-se das visitas. Luís também foi ao encontro deles. Conversaram depois durante uma hora sobre Girolme e sobre a possibilidade de ele ali trabalhar como pastor. No final, e como o currículo e as exigências eram adequadas, o oportunismo e a oportunidade reencontraram-se. Contudo, Luís salientou que era apenas uma experiência que estava sujeita a posterior avaliação.
Girolme ia esticando o olhar para o vale que o envolvia, contornando as esquinas da capela e descortinando, lá no fundo, as pedras antigas que se erguiam num esplendor secular. Numa belga acima, um casal dedicado empenhava-se na rega de dois rebentos. O local oferecia uma quietude aconchegante; mais abaixo, o ribeiro dos Frades serpenteava pelo vale em direção ao rio Dão, apressado para chegar a um encontro indiferente.
Apesar de estar contente com os desenvolvimentos, Girolme estava também um pouco assustado com a quantidade de animais que teria a seu cargo. Satisfeito por saber que Girolme já tinha alguma experiência no ofício, Luís adiantou depois que, numa fase inicial, ele iria acompanhá-lo e ensinar-lhe tudo o que precisava saber. Depois ficaria por conta própria. Disse também que Girolme tinha à sua espera, no convento, um quarto e uma cozinha. Num ápice, todas as suas dúvidas se dissiparam e Girolme considerou que a sua chegada ali fora um prelúdio de que o futuro poderia ser risonho. Noutros tempos e em múltiplos sítios, Girolme encontrou inúmeras pessoas que, sem o conhecerem, pareciam particularmente empenhadas em fazer-lhe maldades. Ali, ainda antes de deixar de ser um desconhecido, já estava a colher os louros da bonança. Girolme não tardou muito a perceber qual era a razão de tamanha diferença, compreendendo então de forma indubitável que tudo se relacionava com a sua ida a Fátima. Soubesse ele mais cedo e tivesse oportunidade para tal, a sua vida teria sido bem diferente. «Era tão fácil viver uma segunda vez», concluiu.
