– Portero?! Até parece que é espanhol – disse Asdrúbal. – Olhe que de Espanha nem bom vento nem bom casamento. Com que então já foi porteiro? Lá na cidade? Mas olhe que por estas bandas, como porteiro nom se vai safar lá muito bem. Isto é o campo: aqui cava-se, rega-se, semeia-se e apanha-se, com sol ou chuva, de noite ou de dia. Olhe, por acaso, lá p’rós lados do convento, na quinta, estão a precisar de um pastor. Eu até já pensei em mandar p’ra lá o mê Manel, mas perco o trabalho que ele faz e os ganhos são poucos.
Estava Girolme ainda em considerações sobre o que Asdrúbal dissera acerca do provérbio, tentando estabelecer uma correspondência biunívoca com a sua experiência de amor emigrante, quando, ao escutar a possibilidade de empregabilidade, acrescentou de pronto:
– Eu também já fui pastor; aliás até me meterem esse nome!
– Atão… talvez se arranje qualquer coisinha – disse por fim Asdrúbal, o que levou Manel a bater palmas e Girolme a alegrar-se de tal maneira que começou a sonorizar o contentamento pelo nariz, sendo imitado de seguida por Manel.
Manel, entre muitas peculiaridades, por defeito ou vontade, não conseguia decorar os nomes dos animais. Então, quando queria referir-se a um animal em concreto, imitava o seu som característico.
Os três conversaram por mais algum tempo. Saíram depois de casa em direção ao mosteiro, descendo a encosta. Com o consentimento de Asdrúbal, Etelvina ficara em casa a arrumar a cozinha e as ideias. Nas proximidades da estrada de terra batida que seguia para Maceira Dão havia muitos terrenos cultiváveis e em quase todos andavam pessoas a trabalhar. Como os outros dois iam cumprimentando todos quantos viam, mesmo que estivessem mais afastados, Girolme passou também a desejar «boa tarde» às pessoas. Girolme estava muito agradado com as aparências. Em Lisboa, ele era capaz de atravessar uma avenida sem que ninguém o cumprimentasse; alguns até pareciam ficar chateados se alguém os cumprimentasse. Ali, era como se a própria terra tivesse ordenado que ele deveria ser bem-recebido e todos obedeciam em unanimidade. Ao longo da descida, e depois de Asdrúbal lhe adiantar alguns pormenores sobre o trabalho, Girolme distraiu-se a observar Manel. Ele lembrava-o de Bilinho. As pessoas também pareciam gostar muito dele, sorrindo e bracejando saudações.
