Sombras de Silêncio #346

Sem saber o que dizer, Girolme estendeu apenas o pano branco enrolado que trazia na mão, sorrindo de seguida.

– Quer dar-nos uma coisa – berrou o homem, pegando naquilo que Girolme trouxera.

Asdrúbal, um homem já idoso, de suíças prolongadas e olhar duvidoso, chegou então à porta e pegou no pano, perguntando de seguida:

– O que é isto?

– Um… amigo meu… que é amigo do seu filho… Joca, entregou-me isto p’ra lhe dar.

As palavras de Girolme suscitaram muito espanto entre os homens. Parecia até que tinham visto um fantasma. A esposa de Asdrúbal também surgiu à porta. Tinha o cabelo cor de prata e o rosto clemente.

– O meu rico filho… está vivo? – perguntou ela em soluços de dor.

Girolme fechou a cara e olhou para o chão, à medida que Asdrúbal desenrolava nervosamente o pano. Acabou por deixá-lo cair. Viu-se então um anel, que rolou pelo chão.

– Ele chegou… a casa – disse Girolme, com os olhos lacrimantes, lembrando-se do que Alberto lhe pedira para dizer e compreendendo por fim o que acontecera.

Enquanto a mãe se pôs a chorar e voltou para a cozinha, o pai ficou sem reagir por alguns instantes. Manel, o filho, pegou no anel e constatou:

– É o anel do Joca!

Durante uma missão, ao atravessarem o rio Buba numa jangada, os soldados sofreram uma emboscada. Quando estavam quase a chegar ao outro lado, as cordas que prendiam um carro de combate rebentaram, a jangada começou a virar e o carro acabou por cair nas águas. Joca ia no lugar do condutor. Ainda assim, conseguiu escapar-se e veio à superfície, enquanto os combates continuavam. Nadou em direção à jangada e estava quase a alcançá-la. Alberto aproximou-se dele e agarrou-o pela mão. Enquanto o tentava puxar apareceram dois crocodilos que se atiraram a ele e cortaram-no pelo braço, levando-o para o fundo das águas. Alberto continuou a agarrar o braço do amigo, petrificado. Depois do incidente, pela ausência do corpo, o exército fez chegar um caixão fechado e foi realizado o funeral. Alberto recuperou o anel e enterrou o braço. Ainda não tinha definido o que lhe iria fazer, mas estava determinado a trazê-lo de regresso a Portugal.

Asdrúbal pegou no anel e mirou-o demoradamente em silêncio. Meteu-o depois numa caixa de madeira e saiu apressado, levando uma enxada. Ao chegar atrás da casa abriu um buraco com cerca de meio metro. Entretanto, a esposa e o filho chegaram junto dele e abraçaram-no numa dor antiga e inefável. Girolme observava-os ao longe, chorando a sua perda.

Sombras de Silêncio #346

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