Sombras de Silêncio #345

Girolme, no meio do quarto, apenas acenou, enquanto tentava gravar os nomes referidos, apercebendo-se então de um contratempo:

– Mas eu sei andar de mota.

– Eles não lhe vão dar a mota… tem de ir a pé. Já não falta muito. Pelo amor de Nossa Senhora, faça-me esse favor para eu poder ficar em paz. Procure o Asdrúbal… em Vila Garcia… e dê-lhe isso.

– Está bem, se preocupe – anuiu Girolme.

– E olhe, faça-me só mais uma coisa… venha cá. Pegue nesta almofada e acabe comigo. Eu já estou morto há muito tempo… eu nunca devia ter saído de África. Tenha dó de mim!

Ao aperceber-se das intenções suicidas de Alberto, Girolme ficou especado no meio do quarto sem saber o que fazer até que o segurança entrou e obrigou Girolme a sair, depois de uma despedida muito rápida.

No exterior do hospital, e depois de ganhar alguns minutos de vida em reflexões sobre o que acontecera, Girolme desatou a caminhar sem rumo nem direção, numa convergência ininterrupta de vontades e de forças que extravasavam a fome que lhe perpassava o frágil corpo. Depois de várias indicações, lá conseguiu apanhar a estrada que vinha de Aveiro e seguiu na direção de Mangualde, alimentando-se de laranjas podres que encontrou pelo caminho. Passou o rio Dão e começou depois a subir pelos ziguezagues de um futuro duvidoso. Encontrou então uma simpática senhora que lhe deu mais indicações. Estava quase a chegar a Vila Garcia.

Já na aldeia, e apesar de ter feito uma pequena confusão como o nome Asdrúbal, ainda se lembrava perfeitamente do nome do filho. Passou pela Escola Primária da aldeia, num momento em que as crianças faziam um intervalo na vida, e seguiu pela estrada alcatroada. Alguns minutos depois chegou por fim à casa que lhe diziam ser de Asdrúbal. Era de pedra e ficava no alto de um monte. Logo na entrada, do lado esquerdo, havia alguns currais de animais, incluindo um galinheiro a céu aberto que dava para a adega. Titubeante, Girolme subiu a escadaria e bateu à porta. Apareceu pouco depois um homem de meia-idade, com o bigode farfalhudo que lhe tapava a boca, vestindo umas calças de fato-de-treino vermelhas com umas riscas azuis.

– O senhor… Asdrúbal está? – perguntou Girolme, expectante.

– Está sim senhor – respondeu o homem, visivelmente satisfeito –, é pai. Estamos a comer as batatas. Ó pai, ‘tá aqui um senhor p’ra si.

– O que é que ele quer? – ouviu-se ao fundo.

Sombras de Silêncio #345

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