Sombras de Silêncio #343

Com algumas indicações dos transeuntes, Girolme lá conseguiu chegar ao hospital da cidade. Aflito, dirigiu-se depois à receção e perguntou se podia ver o amigo que ali chegara baleado. Do outro lado do vidro, uma senhora, de bata branca e com um barrete a tapar-lhe os cabelos, confirmou que «o senhor Alberto estava à espera de ser operado». Girolme esperou e desesperou, sentado num banco do hospital, durante mais de duas horas. Divagou por dúvidas extenuantes e rezou bastante a Nossa Senhora. A mesma funcionária informou-o depois que a operação já tinha sido realizada e que o paciente estava estável. Tais palavras não elucidaram Girolme, que insistiu em visitar o amigo. A funcionária fez então sinal para um homem que estava à entrada do hospital e num ápice Girolme foi expulso do edifício.

Perdido do amigo, sem um rumo, Girolme encostou-se à parede branca do hospital, enquanto os remorsos lhe iam consumindo a esperança de reencontrar Alberto ainda com vida. Recordou então o amigo Bilinho, abandonado a um futuro incerto, e foi adoecendo pela culpa. Girolme rangeu depois a vontade numa insatisfação crescente e foi sentar-se na escadaria que ficava à entrada do hospital, na certeza de que não sairia dali sem ver o amigo.

O sol, lesto e pouco importado com as misérias de seres menores, escondeu-se por detrás dos enormes cedros e ameaçava em breve desaparecer no horizonte. Pensando que Girolme seria um sem-abrigo, algumas pessoas chegaram mesmo a deitar-lhe moedas. Sem perceber o que estava a acontecer, Girolme apanhava-as e agradecia com um sorriso de melancolia. Quando a noite se instalou, ele ainda lá estava e ameaçava prolongar a estadia pela noite fora com uma motivação inexcedível. Já de madrugada, com frio, Girolme foi refugiar-se por debaixo de uns arbustos que ficavam um pouco mais acima num pequeno parque. Contudo, pela manhã, regressou à escadaria e ficou por lá, faminto e engripado. Apesar de ter passado muitas noites ao relento, principalmente durante a travessia do Alentejo, a idade e o clima da região já não lhe permitiam tais peripécias de forma impune.

Sombras de Silêncio #343

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