Girolme assustou-se e disparou o olhar amedrontado para os cantos escondidos do quarto. Depois, notando que a imaginação o estava a tramar, aproximou-se de Alberto e disse num tom de voz calmo e espaçado:
– Está tudo bem… nós chegámos de Fátima e vamos para Maceira Dão… vossemecê deu-me uma boleia… nã existe mais ninguém aqui… está tudo bem… tenha calma.
Alberto esperou um pouco, como se aguardasse a concretização das palavras que Girolme anunciara. Por fim, começou a chorar, batendo com as mãos na cabeça. Sem saber o que fazer, Girolme foi sentar-se ao seu lado, na borda da cama, e tentou acalmá-lo.
– Eu… não sou um homem, sou um fantasma. E vou ter de andar por aqui até que todos os meus pecados sejam pagos; até que todos os homens que matei fiquem em descanso; até que as mulheres… oh, meu Deus… o que é que eu fiz…
– Vai ficar tudo bem, tenha calma – interrompeu Girolme.
– Tudo bem?! Como é que pode ficar tudo bem? Ficou tudo bem para o Joca? Nada fica bem. Você não compreende… você não esteve lá.
– Eu também já passei por algumas coisas na vida e olhe que ainda agora me custam – revelou Girolme.
Alberto olhou-o de soslaio e com desconsideração, dizendo depois:
– Alguma vez segurou a mão de um amigo enquanto ele se esvaía em sangue e sem que você pudesse fazer alguma coisa para o ajudar? Alguma vez teve de… matar? Alguma vez se viu enfiado até ao pescoço, durante três dias, rodeado de morte? Você… não faz ideia… não me diga que vai ficar tudo bem!
Girolme, que sempre se imaginara um sofredor por natureza, ficou estarrecido ao saber que ele vivera circunstâncias que pareciam ter sido escritas pelo diabo. Sentiu então um enorme pesar por Alberto. Permaneceu depois num silêncio triste, com as mãos abertas postas sobre a cama e a vontade envolta numa inoperância latente.