Deitaram-se. Alberto ficou do lado do banheiro, junto à mesa-de-cabeceira, enquanto Girolme ficou voltado para a janela, vendo o luar imiscuir-se entre a lugubridade da cidade, como se tentasse amedrontar as criaturas da noite. A brisa deambulava de forma impercetível entre as ruas sinuosas e repletas de histórias.
Estava Girolme compenetrado a tentar encontrar uma forma de salvar a princesa Destinus de um terrível feitiço quando ecoou pelo quarto um grito, tão repentino quão desesperado, seguido de dois estrondos e de uma ameaça vociferada na escuridão:
– Quem está aí? Eu dou cabo de vocês!
Girolme levantou-se e começou a procurar por mais alguém que estivesse no quarto. Esclareceu depois, e antes de qualquer engano inusitado, que apenas lá estava ele.
– E quem és tu, diabo? – inquiriu Alberto.
– Sou o Miguel Girolme, seu amigo, nã se lembra?
– «Miguel», nome de santo, parece-me bem, mas tenho dúvidas em relação a «Girolme». És do PAIGC? És da guerrilha de Bafatá? – perguntou Alberto, encostado à parede, de punhos fechados, erguendo o olhar contra as formas suspeitas.
– Eu nã sei o que é isso! Eu sou o Girolme, de Fátima, nã se lembra? – respondeu, com o medo a sugar-lhe a esperança de sair dali incólume.
– De Fátima?
– Sim, de Fátima. Eu vim consigo na mota, na… V5. O que é que lhe aconteceu?
– Ah… és o Girolme. Já me lembro. Aonde é que eu estou? – perguntou Alberto, passando a mão pela cabeça e notando o sangue que lhe corria pela face. Tinha embatido com a cabeça na esquina da mesa-de-cabeceira.
– Estamos em Aveiro, numa hospadaria. Está tudo bem, vossemecê caiu da cama – tentou convencê-lo Girolme.
– Mas o que é que eu faço aqui? De certeza que não estou na Guiné? Cheira-me a catinga! Ó homem, cuide-se que eles vêm aí! – prosseguiu Alberto, encostado à parede.