Sombras de Silêncio #338

No meio da comiseração, Girolme fechou os olhos e tapou os ouvidos, tentando desprender-se daquela vida, vagamente esperançado em poder chegar àquela que deixara. Mas por mais que se esforçasse, persistiam reflexos e ruídos ligeiros que lhe atormentavam a concentração e inviabilizavam o sucesso da demanda. Pensou depois que fora tramado pela memória e tentou abstrair-se, esquecendo tudo o que lhe acontecera desde que fora preso. Tentou imaginar Ritinha num vestido branco, com os cabelos loiros docemente colocados sobre os ombros elegantes; um chapéu de seda descaído para o lado, com um adereço a imitar uma flor; os sapatos brancos; ainda jovem e sem desvirtuações temporais ou arrelias da vida; linda e perfeita. Esperou. Quis perpetuar a imagem, mas não conseguiu suster a curiosidade. Lentamente, começou a abrir os olhos e a tirar as mãos das orelhas. Os sons e as imagens começaram a surgir, acumulando-se numa enorme deceção: estava tudo igual.

Girolme desatou de novo a chorar até que se lembrou que cometera um pequeno erro na tentativa, pois esquecera-se de tapar o nariz. Tentou novamente, desligando todos os sentidos e redescobriu que nada mudara. Insatisfeito, voltou a tentar e esteve naquilo mais de meia hora, acabando por concluir que na vida não são verdadeiramente as memórias que perfazem uma pessoa; mesmo depois de as ter eliminado, continuava agarrado àquela vida. Havia algo mais; imutável e que não obedecia a qualquer vontade própria ou egoísmo celestial. Decididamente, a vida não era apenas um conjunto de memórias.

Desiludido, Girolme acabou por levantar-se e deambulou pelo largo, tateando as árvores solitárias. Por alguns instantes, considerou escapulir-se a Alberto, pois parecia-lhe que outros problemas poderiam advir do seu comportamento incerto. Acabou por desistir da ideia, sobretudo por querer muito chegar ao mosteiro de Maceira Dão, e voltou para a hospedaria. Subiu depois as escadas e bateu à porta do quarto. Alberto, que já estava a dormir há algum tempo, levantou-se a largar impropérios e deixou-o entrar.

Sombras de Silêncio #338

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