Sombras de Silêncio #337

Quando chegaram a Aveiro, por volta das sete da tarde e sem que qualquer surpresa os prendesse, Alberto já tinha deixado as variações de humor e ficou apenas com a certeza que desejava nunca ter ido para a Guiné. Face a essa impossibilidade, deixou a promessa de tornar-se numa pessoa melhor. Mas os sarilhos pareciam acumular-se à sua volta, como mexericos numa aldeia de pessoas com ouvidos apurados. Girolme, depois de deixar para trás o arrependimento, descobriu que Aveiro era uma cidade de memórias. Ao passar a ponte sobre a ria reconheceu de imediato o largo onde o circo Caricatus estivera instalado. Havia mais árvores e edifícios à volta, mas tudo o resto ficara, como se a cidade insistisse em perpetuar as lembranças de cada visitante que regressa.

Alberto parou a mota junto à ponte e os dois seguiram pela rua até chegarem a uma hospedaria. Girolme variava a atenção entre os passos do presente e os do passado. Com poucas palavras e cada um com os seus problemas, deram entrada na hospedaria para uma noite, saindo depois para um passeio pela Praça do Peixe, onde aproveitaram para enganar a fome numa taberna. Girolme insistiu então para que fossem até à ria, mas Alberto respondeu que estava cansado e regressou à hospedaria.

As sombras caíam lentamente sobre a cidade e Girolme seguiu sozinho pela viela. Passou o largo e foi sentar-se sobre o muro que dava para a ria, no sítio onde se lembrava de ter estado antes de o comunista ser atirado para um passado sem tempo. As memórias surgiam paulatinamente na sua consciência, numa confluência desordenada de sentimentos, desde a tristeza à irritação. Por largos momentos reviveu as circunstâncias que o tinham levado à prisão. Seguiu depois a jusante das tragédias e foi pelo tempo à procura da sua princesa. Entretanto, a noite instalara-se. Girolme ia deixando cair algumas lágrimas sobre a ria, que estava habituada a levar as mágoas das pessoas para lá do horizonte da memória.

Sombras de Silêncio #337

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