– Eu sou Miguel Girolme, mas pode tratar-me por Girolme – disse, abdicando de adereços sociais, por considerar que ali todos eram iguais, pastores ou simples doutores.
– Prazer, eu sou Alberto – disse o homem, oferecendo-lhe um aperto de mão, que Girolme se prontificou a aceitar, adiantando ainda um sorriso convincente e quase triunfante por ter ajudado a manter ali alguém que estava prestes a desistir.
– E é donde? – perguntou Girolme.
– Eu venho de uma aldeia que fica ali perto de Ponte de Sor – disse Alberto, passando as mãos pelas sobrancelhas.
– Nã conheço – confessou Girolme –, isso ainda é muito longe?
– Fica no Alto Alentejo.
– Isso é coisa p’ra ter sido uma canseira, de lá p’ra cá – disse Girolme, desconhecendo o local referido e a distância percorrida.
– Você acha que eu vim a pé? Já me bastou o tempo em que tive de andar lá no fim do mundo a abrir o mato à catanada, com as balas a zumbirem aos ouvidos. Eu vim com a minha V5. Já não estamos no tempo de andar a pé e isso não vai fazer com que as pessoas cheguem mais depressa ao céu.
Girolme estava para perguntar o que era uma V5, mas a procissão já tinha chegado ao altar e um prior iniciou a homilia, trauteando os perigos que poderiam advir se certas mentalidades e ideologias se instalassem no país, encobertas por resquícios de socialismos apetecíveis. Girolme escutava com atenção; apesar de ter muitas dúvidas sobre o discurso, considerou que aquela tinha sido a melhor missa a que alguma vez assistira.
A homilia terminou um pouco antes das onze horas. Enquanto muitos se dispersaram pelo santuário, outros aproximaram-se da capelinha e prometiam uma vigília cerrada ao lado mais negro da noite, assim os cobertores os ajudassem. Outros encontravam-se em pequenos grupos de considerações sobre a temática da missa e demais aspetos da vida política portuguesa. Entre eles estava o grupo de Girolme, que se manteve por mais algum tempo com Alberto, tentando reforçar as esperanças num futuro melhor. Girolme acreditava de tal modo no que dizia, fundamentalmente a partir do episódio do homem colorido, que inclusive decidiu provar-lhe que o encontro dos dois, aparentemente fortuito, dera-se com um propósito maior; com a permissão de Pedro, decidiu mesmo convidá-lo para ir passar a noite num albergue que eles tinham alugado. Alberto aceitou e agradeceu o convite.