Girolme escutou-o com atenção, procurando contrariar cada sentença com a sua fé dogmática, mas considerou o discurso demasiado evasivo e subjetivo. Acabou apenas por dizer:
– As pessoas podem levar Nossa Senhora p’ra todo o lado, no coração.
– Eu já vi o que está nos corações das pessoas e deixe que lhe diga…
– Chiu – interrompeu uma mulher atrás deles.
O homem virou-se para trás e mirou-a com um olhar severo, continuando depois:
– Como eu estava a dizer… acredite que eu sei muito bem o que se esconde nos corações das pessoas e olhe que de santo tem muito pouco…
– Mal-educado! – volveu a mulher, num tom propositadamente percetível e que foi notado pelas pessoas à volta.
O homem vincou um rosto de raiva, voltou-se, ergueu a mão e ameaçou bater-lhe. Porém, foi intercetado por Pedro, que lhe agarrou o braço. Pediu-lhe ainda para ter calma e para pensar sobre a inoportunidade da ação. Assustada, a mulher mudou de lugar, furando pelo burburinho em silêncio. Girolme ficou sem saber o que dizer e perdeu-se em considerações silentes.
– Você não sabe do que fala; lá na guerra não havia santas que chegassem para desviar as balas e as granadas … – continuou o homem, irrompendo depois num choro comedido, com a voz embargada pelas lembranças.
– Pois, eu percebo pouco de guerras; o mê pai é que sabia muito disso. Até morreu numa… nã sei adonde – adiantou Girolme, depois de um silêncio constrangedor que absorveu os cânticos devotos.
– Mesmo sem conhecer o seu pai, merece-me todo o respeito – disse o homem, erguendo a voz e esmagando as lágrimas.
– Era um grande homem! – anuiu Girolme, num tom orgulhoso e altivo. Meteu depois a mão ao bolso e tateou o relógio, acarinhando a memória.
– Eu não vim aqui fazer nada… isto já não é para mim. Nada volta atrás. Tenho de resolver o passado, mais ninguém vai fazê-lo por mim – disse o homem, difuso.
– Nã diga isso, tudo se resolve; nã perca a esp’rança – insistiu Girolme.
– Isto não me vai levar a lado nenhum. Mas também acho que não faz mal ficar cá até ao fim. Como é que você se chama?