Sombras de Silêncio #315

Girolme, apesar de entender a resposta como afirmativa, demorou-se a avançar. Ficou especado a olhar para o homem, surpreendido por uma lembrança inesperada do seu amigo Bilinho. Recordou alguns momentos em que ele bebia mais do que devia e ficava num estado de estupidez gratuita.

– Ó amigo, precisa de ajuda? – perguntou Girolme.

O homem permaneceu algum tempo sem responder, num esforço infrutífero para ser ignorado, e acabou apenas por insistir para que ele se afastasse. Girolme, dada a persistência do homem, chegou-se para trás e pensou em esgueirar-se ao longo do vale, mas logo chegou um outro indivíduo, como se fosse um polícia. Parecia que vestia todas as cores do arco-íris. Girolme lembrou-se então das suas tentativas infrutíferas de criança para apanhar algum arco-íris, que apenas terminaram quando a sua mãe lhe explicou que certas coisas na vida apenas existiam para serem contempladas. Naquele instante lembrou-se da sua princesa e concluiu que ela tinha sido o arco-íris da sua vida.

– Ora viva, meu bom senhor, como vai desses costados? – perguntou o homem, de cabelos e barbas ruivas, com um farrapo policromo na cabeça.

– Cá se vai andando – respondeu Girolme, num tom evasivo e desconfiado.

– Vocês são amigalhaços?

O homem encostado à escadaria estava pouco interessado na conversa e deixou-se ficar sem reação, cabendo então a Girolme manter o diálogo:

– Eu, da minha parte, sou amigo de todos.

– E o que veio cá fazer? – perguntou o homem das cores.

– Eu ia… quer dizer… eu queria ir p’ralém, p’raquela casa, p’ra ver como é isto. Sabe eu fiquei sem casa e era só… p’ra ver se me desenrascava.

– Ó amigo, mas é claro que se desenrasca qualquer coisinha. Você nem precisa de dizer mais nada! Isto da vida é mesmo assim: um dia está-se bem e depois a roda vira e nós ficamos de pernas p’ró ar. Mas olhe que você não precisa de ir lá p’ralém. Não faça isso, p’lo amor de Deus, que tenho aqui tudo o que precisa. A mim custa-me muito ver as pessoas em sofrimento. Eu sou um Cristo dos tempos modernos; estou sempre a tentar ajudar o próximo. Por exemplo, esse senhor que aí está ao seu lado. Tudo na vida lhe corria bem; da noite p’ró dia perdeu o emprego e a mulher pediu-lhe o divórcio. Durante meses andou pelas ruas da amargura até que o encontrei quase nas últimas. Porém, ainda fui a tempo. Olhe p’ra ele agora: por fora parece pouco mais de que um farrapo, mas por dentro está feliz! Enquanto nós olhamos para o céu e vemos algum azul escondido atrás das nuvens cinzentas, ele apenas vê estrelas cadentes! – elucidou o homem colorido.

Sombras de Silêncio #315

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