De seguida, após ter a chave, Chico atirou-se sobre Girolme, que fechou os olhos num instinto medroso, e prendeu-o pelo pescoço com as duas mãos.
– Muito bem, seu… pastor, abre os olhos, que estou a falar contigo! – berrou o homem, com a cara encostada à de Girolme. – Eu sei quem tu és, sei o que fizeste, sei onde moravas, sei que te odeio e sei que nunca mais te quero pôr a vista em cima. Tu vais deixar este prédio e nunca mais cá vais voltar ou então para a próxima abro-te o bandulho! Percebeste?
Girolme percebeu e não estava disposto a regatear as condições.
– Agora desaparece da minha vista! – voltou a ameaçar Chico, empurrando-o de seguida para o chão. Chico acabaria por perceber, algum tempo depois, que apenas o queria assustar e tirar-lhe algo precioso na vida, que não a própria.
Girolme, mal se viu livre do homem, começou a caminhar sem olhar para trás. Estava assustadíssimo e andou por mais de uma hora sem saber para onde ia. Quando o nervosismo e o medo o deixaram pensar, tinha chegado ao limite do cansaço. Como já estava suficientemente longe da ameaça, saiu da rua e meteu-se por baixo de uma escadaria de um prédio. Sentou-se, esticou as pernas e voltou a imaginar a Senhora divina, agradecendo-lhe a ajuda e prometendo voltar ao lugar da aparição, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida. Tirou depois o relógio do bolso e encostou-o ao ouvido, dando-lhe corda de seguida. Durante o dia atribulado esquecera-se dele. Lembrou-se depois do pai, da mãe, de Ritinha, de Bilinho, de Bernardo e de outros amigos que achara e perdera na vida. Desejou, entre lágrimas, que algum deles ali viesse para lhe dizer o que haveria de fazer. Pôs-se depois em considerações sobre aquele dia, tentando perceber as circunstâncias que tinham levado a tantas mudanças. Concluiu que tudo na vida é apenas um jogo de ganhos e perdas que variam a cada instante, conforme as vontades imprevisíveis de uma viagem chamada destino.