– Quem é que está a comandar isto? – perguntou Bernardo.
– É aquele ali, de microfone na mão. Capitão Maia – disse um homem ao seu lado, com uma coluna de soldados à frente a pedir-lhes que recuassem.
– Olhe para ali, Girolme! Isto é de loucos. Então puseram um molho de cravos no canhão do blindado! Mas quem é que teve tal ideia?
– Não sei – respondeu o mesmo homem. – Mas olhe que as espingardas dos soldados também têm. Estamos fartos da guerra. Esta é a revolução da paz e queira Deus que chegue ao fim sem mortes. Queira Deus!
Girolme ficou estupefacto com a visão dos cravos e sorriu. Concluiu depois que todas as guerras deveriam travar-se de igual forma, sentindo algum remorso por tal ideia não ter chegado a tempo de salvar a vida do pai. Naquele momento, um helicóptero de ataque sobrevoou a zona e deixou a população impaciente. Muitos esconderam-se do seu campo de visão, mas a maioria susteve a posição, enquanto as ameaças se iam multiplicando. Girolme sentia e também já apoiava a vontade popular, orgulhoso por pertencer à revolta, nem que fosse como simples entusiasta. Porém, antes de qualquer fulgor ou azar, tratou de se encomendar a Nossa Senhora para que o protegesse se algo corresse mal e voltou a pedir desculpa ao antigo amigo pelo desplante. Mais do que uma mudança do poder, era uma afirmação do povo, como se pretendesse libertar-se de todas as injustiças e atropelos cometidos ao longo de séculos.
Por essa altura, os militares revoltosos atiraram sobre o edifício, o que levou a que algumas pessoas dispersassem. Porém, a multidão refez-se logo de seguida e o impasse manteve-se por mais uma hora. O derradeiro ultimato do jovem capitão foi interrompido pela chegada de dois mensageiros, que foram autorizados a entrar no quartel. Entre nervosismos, negociações e o fervor popular, Bernardo e Girolme aproveitaram para matar a fome numa taberna que ficava no largo. Pouco tempo depois, o professor Marcelo Caetano abdicava na condição de o poder não descair para a rua.
