Girolme não foi de imediato. Deixou-se ficar por alguns instantes a olhar para o seu pífaro na mão do irredutível. Bernardo, apercebendo-se da sua vontade, voltou para trás, tirou-lhe o pífaro das mãos e entregou-o a Girolme, dizendo-lhe ao ouvido:
– Mas que ideia foi a sua em dar-lhes música? Valha-me Deus! Se eu não tivesse chegado… caramba! Foi por pouco.
Girolme perdeu-se então nas considerações do amigo, seguiu-o de pronto, desviando o olhar ao cruzar-se com o homem. Chico, assim se chamava, foi deixado numa frustração incomensurável. Confortou-se depois com promessas de um reencontro justiceiro que lhe pudesse acalmar a insatisfação. O seu filho mais velho sucumbira recentemente no Tarrafal.
Bernardo e Girolme seguiram com a corrente insubordinada. Como a caminhada ainda era longa, enquanto outros se revezavam em frases e ditames contra o Estado e a favor da liberdade, os dois revisitavam-se em várias perguntas. Bernardo esclareceu que necessitou de se ausentar de Carnide para tratar de assuntos prementes, adiantando ainda que não lhe tinha revelado tudo o que a amizade entre os dois merecia. Girolme estava somente agradado por tudo o que significava o seu regresso. Não compreendia a essência daquele pedido de desculpa, mas também pouco lhe importava. Perscrutando no passado recente, não encontrou o menor indício de que Bernardo lhe tivesse feito alguma maldade. Nem ele tinha a ambição de conhecer tudo o que se passava à sua volta. Sabia aliás que o melhor era não saber de certas coisas, pois a mente pode ser demasiado punitiva, insistindo em sofrimentos que o desconhecimento ignora.
– P’ra donde é que vamos?
– Ó homem, já lhe disse! Vamos para a Baixa, que os soldados estão lá para derrubar o governo e precisam de apoio – acirrou Bernardo.
– O mê pai também foi soldado; morreu numa guerra – respondeu Girolme, escondendo a melancolia atrás de um sorriso.
– Na Primeira Grande Guerra? – perguntou Bernardo.
– Isso nã sei, já foi há muito tempo. Eu ainda era criança.
– Pois, deve ter sido na Primeira Grande Guerra. Sabe, entretanto, já houve uma catrefada de guerras. Na Segunda é que não foi de certeza. Verdade seja dita, o ditador beirão lá nos livrou dessa. Porém, não teve pejo em arrastar-nos para esta de África, que tem ceifado tantas vidas. Milhares de mortes para nada. Mas esta estupidez vai acabar!
– Como?